Opinião
O circo está de volta
Estava escrito nas estrelas. A proposta de fusão avançada pelo BPI permitiu uma trégua na luta de poder dentro do BCP. Os dois bancos anunciaram o fim das negociações, mas ficou claro que a fusão falhou porque o BCP não quis. Ou uma parte do BCP, seja de
O BCP já não é bem um banco: é uma entidade balcanizada, onde os sectores em confronto não têm força suficiente para reclamar vitória, o que não impede que, na guerra suja em curso, vão fazendo tentativas, em alguns casos bem sucedidas, de limpeza étnica.
Com o fim das negociações, o circo está de volta e vai continuar. Pelo menos até Jardim assumir a desistência. Mas pode não chegar, porque há investidores que querem uma vitória por KO e podem levar às últimas consequências a defesa de uma gestão renovada para o banco, mesmo que tenham que apresentar uma lista alternativa à encabeçada por Filipe Pinhal.
Pinhal precisa de uma equipa coesa, o que significa tirar do Conselho os administradores que alinharam com Teixeira Pinto. Para isso precisa do apoio de accionistas de diferentes sensibilidades, que lhe garantam a vitória necessária em assembleia-geral. Para a eleição de órgãos sociais, a AG exige apenas a maioria simples, que parece ao alcance de Pinhal, com os apoios da Eureko e da Teixeira Duarte. O que explica a sua necessidade de ganhar equidistância em relação ao fundador.
Depois da “trégua” das conversações com o BPI, regressaram as informações comprometedoras sobre a gestão do banco no tratamento de negócios com accionistas e familiares do seu primeiro presidente. As informações que têm vindo a público nos últimos meses, como o perdão de dívidas de um filho de Jardim Gonçalves ou de Goes Ferreira, accionista e próximo de Jardim Gonçalves, são graves e apontam para falhas na gestão, na auditoria e na supervisão.
Mas como não há coincidências, é impossível não reparar no facto de os novos dados terem ficado “congelados” enquanto decorreram as negociações entre Pinhal e Ulrich, tornando evidente uma estratégia organizada de pressão sobre Filipe Pinhal e o fundador.
As operações com as “off shores” de Goes Ferreira e o subsequente “write off” de dívidas de 28,5 milhões de euros (que somam a 15 milhões de juros perdoados noutras operações do mesmo investidor) põem a nu práticas que fontes do banco dizem que são correntes na banca. Se assim é ainda mais afectam a credibilidade do BCP e da generalidade dos bancos, confirmando que quando alguém deve mil euros a um banco tem um problema, quando deve um milhão quem tem o problema é o banco. A menos que o cliente – leia-se Goes Ferreira – tenha servido apenas para camuflar a compra de acções próprias pelo BCP, como se depreende de documentos a que o Jornal de Negócios teve acesso.
Os casos que têm vindo a público revelam uma situação onde se misturaram interesses do próprio banco e dos accionistas e são a consequência de uma gestão que esteve demasiado tempo no poder e como sempre que o poder se eterniza acaba por ser complacente com demasiados interesses. Isso já se tornou evidente há demasiado tempo no BCP. Só ainda não se tornou evidente se houve ou não houve ilegalidades, até porque a lei parece estar redigida de forma suficientemente ardilosa para permitir saídas de emergência, mesmo nos casos mais flagrantes, como o dos créditos a familiares directos dos membros dos órgãos de gestão.
A fusão com o BPI era uma boa solução para o BCP e dava ao país um banco com dimensão à escala europeia. Mas havia dentro e fora do BCP demasiada gente a remar contra. Tinha ainda a vantagem adicional de permitir a Jardim Gonçalves sair e salvar a face. Porque, há que reconhecer, pela obra que construiu, Jardim Gonçalves não merece este desfecho. Mesmo que também tenha contribuído para ele.