Opinião
Estradas perigosas
As obras públicas estão no centro do descrédito que atinge o regime. Com concurso ou sem concurso, cada novo projecto é um “caso”. São os concorrentes que contestam as decisões de júris, quando há concurso. São os orçamentos sistematicamente ultrapassados
São os concorrentes que contestam as decisões de júris, quando há concurso. São os orçamentos sistematicamente ultrapassados, por obras a mais e renegociação de condições, que levantam dúvidas sobre a efectiva defesa do interesse público. E é a suspeição generalizada que se abate sobre o papel das empresas de construção no financiamento dos partidos, como ainda recentemente se tornou evidente no caso do pagamento de despesas de campanha do PSD pela Somague.
Entre as obras públicas, as estradas batem recordes de falta de transparência. Foi há quase uma dezena de anos que um presidente da então Junta Autónoma das Estradas (JAE) assumiu publicamente a situação. “Quem financia os partidos políticos são os empreiteiros. Agora, como é que o dinheiro vai para os empreiteiros? Pelas obras que os empreiteiros fazem. Mas não é por obras que estejam correctamente planeadas. É por trabalhos a mais, é por alterações nos projectos, é por erros nos projectos. Isso é que é muitas vezes empolado, para que o dinheiro seja mais do que aquilo que devia ser”, dizia por essa altura o general Garcia dos Santos, então presidente da JAE.
Essa famosa entrevista deu origem a uma grave crise política, que abalou o Governo de António Guterres. E foi na sequência da polémica que João Cravinho, então ministro das Obras Públicas, decidiu desmembrar a JAE em três institutos.
A experiência foi feita mas poucos anos volvidos os três institutos estavam de novo reunidos num só, entretanto rebaptizado Estradas de Portugal. Mais um bom exemplo do incessante fazer e desfazer com que os governos deixam a sua impressão digital na vida nacional, que se traduz em desperdício de tempo e de recursos, mesmo quando, na maior parte dos casos, não muda nada de essencial.
Ora é exactamente a nova apresentação da “velha JAE”, de que falava Garcia dos Santos no final dos anos 90, que é posta em causa por uma auditoria do Tribunal de Contas à actividade entre 2004 e 2006, cujo relatório preliminar foi divulgado no sábado passado pelo “Sol”. Por entre alertas sobre a situação de iminente ruptura financeira da instituição, que terá de ser coberta pelo Orçamento de Estado, o relatório aponta dados preocupantes: 2,5 mil milhões de obras por ajuste directo, 1,2 mil milhões por trabalhos a mais, aumento do endividamento bancário e aumento dos valores das expropriações. E ainda não se fala no aumento da factura para cobrir os custos das auto-estradas sem portagens, que vão disparar nos próximos anos, nem do impacto da nova taxa rodoviária na sua autonomia financeira.
A imagem que fica é que a gestão das estradas portuguesas continua a ser terra de ninguém. É nesse vazio que aumenta o risco de sinistralidade e não apenas para quem nelas circula.