Opinião
De boas intenções...
Um dos disparates que o debate económico nacional costuma produzir – e já ouvimos alguns repetirem-no nesta época eleitoral – é que o Estado deve ser gerido como uma empresa. A intenção é generosa: dar um mínimo de racionalidade, sobretudo de responsabili
Os resultados seriam, no entanto, absolutamente intoleráveis. A racionalidade da gestão empresarial, por exemplo, levaria ao encerramento dos tribunais, as escolas e as bibliotecas teriam de fechar, porque nada disto gera receita e só dá encargos.
É também com a melhor das intenções que muitas pessoas avaliam o problema da competitividade da nossa economia com os parâmetros empresariais. Outro equívoco.
Um país não é, definitivamente, uma empresa. Um país não abre falência. Mas, acima de tudo, ao contrário de uma economia, a empresa produz para fora.
Paul Krugman lembrava essa evidência, há muito, no seu «Pop Internationalism», com o exemplo da Coca-Cola: apenas 0,0000001% dos ziliões de litros de refrigerante fabricados são consumidos pelos seus próprios funcionários.
Há, portanto, que ter o máximo dos cuidados para não embarcar nas ideias mais simples, nas propostas mais sedutoras, nas fórmulas que prometem matar num só golpe as desgraças que há muito nos acompanham.
Evidentemente que a doutora Ferreira Leite fez o que devia, ou o que podia, numa situação de emergência – congelar salários e controlar novas admissões na função pública. Fez isso num ano. Repetiu a dose um ano depois.
Mas imaginar que se pode pisar e repisar nesta receita, então a administração pública vai degradar-se mais ainda. E, o que é mais grave, sem que se resolva uma única coisa daquilo que é essencial: a gestão pública, a despesa pública, a competitividade da economia.
Muito boa gente entra na discussão sobre a reforma do PEC, certamente com bons propósitos, mas abraçando causas perigosas. O PS promove o choque tecnológico com um cheque-desconto de Bruxelas: as despesas em I&D não contam para o critério do défice.
O PEC já é inimigo da reformas estruturais, porque não aceita os custos que estas provocam no imediato, mesmo que os resultados sejam visíveis no futuro. Mas isso não obriga a transformar o PEC numa nova fonte de desperdício.
É para aí que nos levam raciocínios que, viu-se ontem, Sócrates e Schröder partilham. Nós não. E alguns economistas PS, Campos e Cunha, também. Temos aliás um país, mesmo privado, que investiu muito e sem restrições (monetárias, com queda de juros) com escassos resultados práticos.
Equipamento parado num hospital, porque falta despesa corrente é intolerável. É absurdo considerar como despesa boa uma estrada nova (é investimento) e reparar uma ponte velha (porque é despesa corrente) um desperdício.
O alerta é válido para outros partidos: cuidado com as soluções fáceis e lineares. São as piores.