Opinião
As taxas de juro ou os dias do Demo
Ontem foi o sexto dia do sexto mês do sexto ano do milénio e a coincidência dos algarismos 666, o número da besta no livro do Apocalipse, deu à data a conotação de dia do diabo.
Enquanto uns se prepararam para esconjurar as forças satânicas, outros tê-las-ão celebrado e a imensa maioria aproveitado para as piadas habituais.
Nenhuma desgraça especial assinalou a data, pelo menos até à hora em que este texto era escrito. Em Portugal, os termómetros subiram, a lembrar os calores dos infernos, mas a tendência não foi geral a outras regiões da cristandade.
As bolsas desceram, confirmando a entrada num ciclo de maior volatilidade que, obviamente, não é de bom presságio. Mesmo para aqueles que não crêem nas bruxas.
O pior contudo ainda deve estar para vir, não se deve a factores sobrenaturais e escapa à data fatídica. Hoje esperam-se más notícias de Frankfurt, onde o Banco Central Europeu previsivelmente deve aumentar a sua taxa de referência, actualmente nos 2,5%. A maior parte das apostas vai para os 2,75 mas o aumento das pressões inflacionistas fazem alguns admitirem uma subida de 50 pontos para 3.00%.
A antecipação da subida dos juros na Europa tem sustentado o reforço do euro face ao dólar. Mas segunda-feira a estabilidade dos juros nos Estados Unidos deixou de poder ser dada como certa, com declarações de Ben Bernanke colocando o acento tónico na necessidade de controlar os preços, o que os mercados interpretaram como um sinal de que a próxima reunião da Reserva Federal, a 28 e 29 de Junho, voltará a aumentar a taxa de referência, actualmente nos 5%, pondo fim à anunciada «pausa» no programa de subida controlada levado a cabo nos últimos dois anos.
Diga-se de passagem que, em matéria de taxas de juro, os europeus não têm muitas razões de queixa. A previsível subida de hoje será a terceira desde Dezembro, depois de o BCE ter mantido as taxas nos 2% desde Junho de 2003. Nos Estados Unidos, que partiram de um referencial inferior, já se registaram 16 subidas desde 2004. A próxima será a 17ª. É verdade que a economia americana tem registado um dinamismo apreciável, quando comparada com a prolongada anemia europeia.
A subida das taxas de juro é sempre uma má notícia. Para as empresas e para os consumidores, em especial em sociedades onde a poupança foi destronada pelos prazeres do consumo, já não apenas nos Estados Unidos mas um pouco por toda a Europa.
Apesar disso, os juros continuam em níveis baixos, em alguns casos com taxas reais negativas, e os movimentos das autoridades monetárias têm sido efectuados com cautelas redobradas, em especial para não prejudicar a retoma na Zona Euro. Nos Estados Unidos, apesar da prioridade ao controle da inflação, serão temperadas pelos sinais de que a economia entrou num período de menor crescimento económico.
As taxas de juro fazem lembrar a fábula do Pedro e do Lobo. Há anos que os economistas alertavam que a subida era inevitável, e que as condições excepcionais que permitiram níveis tão baixos estavam ultrapassadas, mas como nada acontecia os agentes económicos passaram a ignorar os alertas. Agora vão ter mesmo que aprender a viver com elas.