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Casamento por conveniência fiscal

Empresa americana procura empresa europeia para relacionamento sério. Candidatas devem estar localizadas em país que permita avultada poupança fiscal. Garantimos sigilo até ao anúncio formal.

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Empresa americana procura empresa europeia para relacionamento sério. Candidatas devem estar localizadas em país que permita avultada poupança fiscal. Garantimos sigilo até ao anúncio formal.


As fusões e aquisições já não se fazem apenas por interesse estratégico. Para ganhar escala, entrar em novos mercados ou adquirir "know-how" em determinada área. Cresce o número de casos em que o casamento acontece também por conveniência fiscal. Vem isto a propósito da oferta lançada pela Pfizer sobre a britânica AstraZeneca, rechaçada pela última na sexta-feira.


A farmacêutica americana tem milhares de milhões de dólares em "cash" acumulado no balanço das operações fora dos Estados Unidos, nomeadamente na Europa. Repatriando o dinheiro directamente para casa tem de pagar 35% de imposto. Já se comprar uma operação no Reino Unido, paga 21%. Não é este o único racional do negócio, mas em causa está uma poupança considerável, cortesia do regime tributário americano e europeu.


O expediente, que passa por mudar a sede fiscal, mas não a operacional, é conhecido como "inversão" e tem ganho adesão nos últimos anos. De acordo com dados recolhidos pela Reuters, desde 2008 cerca de duas dúzias de empresas americanas recorreram a esta estratégia, tantas como nos 25 anos anteriores.


A Pfizer não é caso isolado. A questão fiscal é também central na fusão entre a americana Omnicom e a francesa Publicis. A sede operacional da empresa será na Holanda e a fiscal no Reino Unido, solução já adoptada na união entre a Fiat e a Chrysler. Nos últimos dias surgiram notícias de um impasse na fusão, devido ao atraso das autoridades holandesas e britânicas na aprovação do processo. O CEO da Omnicom, John Wren, já veio dizer que sem poupança nos impostos o negócio está em risco.


A ideia da Europa como paraíso fiscal das empresas americanas não é nova. As multinacionais recorrem sobretudo à Irlanda e à Holanda como porta dos fundos para escapar ao pagamento de impostos. Apple, Google, Amazon ou Starbucks foram os casos mais polémicos. Uma investigação do Senado americano descobriu uma unidade da tecnológica liderada por Tim Cook, com sede na Irlanda, mas gerida a partir da Califórnia, que não pagava quaisquer impostos desde 2009, apesar dos mais de 30 mil milhões de dólares em lucros conseguidos nesse período. A Holanda é, de resto, também um destino popular entre as SGPS da Bolsa de Lisboa.


A visibilidade mediática destes casos obrigou os políticos a mexerem-se. Nos EUA e no Reino Unido foram criadas comissões parlamentares. Do G-20 saíram já vários apelos para que se tomem medidas capazes de travar esta arbitragem fiscal. O último em Fevereiro, quando foi acordada a criação de um sistema automático para a partilha de informação. A sensibilidade política do tema é a explicação avançada para o atraso nas autorizações para a fusão entre a Omnicom e a Publicis.


A questão é que todos estes expedientes são legais. Na União Europeia, é possível operar em todos os países, mas só pagar impostos num. De acordo com um estudo citado em Fevereiro pelo Irish Times, as multinacionais americanas sedeadas na Irlanda pagaram uma taxa de imposto equivalente a 2,2% em 2011. O mesmo que nas Bermudas.


Enquanto os responsáveis políticos se recusarem a atacar de frente esta questão, a poupança fiscal continuará a justificar fusões e aquisições na Europa e a criar oportunidades para os investidores.

 

 

averissimo@negocios.pt

 

 

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