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01 de Novembro de 2015 às 20:00

O choque de Boehner

Desde que a crise financeira eclodiu, em 2008, os especialistas e os meios de comunicação têm dedicado muita atenção à antecipação de choques negativos para a economia global. Actualmente, os holofotes estão virados para o estado da economia chinesa, o tempo de normalização das taxas de juro da Reserva Federal dos Estados Unidos, e as diversas políticas que estão em discussão na campanha presidencial dos Estados Unidos.

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Mas os choques mais prejudiciais estão muitas vezes escondidos - e surgem precisamente quando e onde se pensava que a estabilidade iria prevalecer. Um desses riscos é que o partidarismo político provoque outra perturbação nas finanças do governo federal dos Estados Unidos, enfraquecendo a economia americana e agitando os mercados financeiros mundiais.

 

Este aviso pode parecer estranho. Afinal, a última grande luta partidária (em 2013) sobre o financiamento do governo e o aumento do limite da dívida resultou em pouco mais do que danos significativos à reputação dos republicanos que a instigaram. E a liderança republicana actual, ansiosa para fortalecer as hipóteses eleitorais do seu partido em 2016, quer projectar uma imagem de sóbrio bom senso.

 

No entanto, um confronto desestabilizador sobre as finanças públicas parece agora inevitável, especialmente após o anúncio surpresa do presidente da Câmara dos Representantes, John Boehner, de que vai renunciar ao seu cargo e ao seu lugar no Congresso no final de Outubro. Para percebermos o porquê, basta olhar para o Comité de Finanças da Câmara, cujo actual presidente Paul Ryan, é um líder dos insurgentes republicanos radicais que haviam desprezado Boehner por estar muito disponível para um compromisso com o presidente Barack Obama e com os democratas da Câmara dos Representantes.

 

O comité de Ryan desempenha um papel importante na definição da agenda fiscal dos Estados Unidos, reflectindo a exigência constitucional que os projectos de lei sobre receitas originam na Câmara dos Representantes e as realidades políticas (a Câmara dos Representantes é tradicionalmente menos turbulenta do que o Senado). Ao contrário do que aconteceu em 2013, desta vez a estratégia de Ryan e dos seus aliados não deverá incluir uma ameaça de ‘default’ directamente sobre a dívida pública federal. E os republicanos no comité afirmam que os pagamentos da segurança social serão feitos a tempo. Então que outras contas é que planeiam não pagar como parte de um confronto sobre a legislação para manter o governo financiado?

 

Na verdade, é difícil dizer exactamente qual é a ameaça - e isso é parte do problema. A incerteza sobre contratos do governo e vários tipos de pagamentos pode ter um grande impacto sobre a economia. A dificuldade de prever todas as implicações económicas é precisamente o que desencoraja os consumidores de fazer compras e o que leva as empresas a adiarem investimentos.

 

O Gabinete Governamental de Contabilidade (GAO, na sigla inglesa) publicou um relatório útil, em Julho, que enumerou algumas das consequências do confronto de 2013 sobre o tecto da dívida - incluindo a forma como elevou os custos de financiamento do governo e o impacto negativo que isso teve sobre a economia. Mas a maioria republicana no Congresso simplesmente ignora esse tipo de análise sensata.

 

Como resultado, uma paralisação parcial dos serviços públicos (‘shutdown’) nos Estados Unidos é inteiramente possível, com os republicanos a imporem uma forma de priorização de pagamentos do governo: algumas pessoas receberão o que lhes é devido, e outras não. Isso vai alimentar a incerteza, minar a confiança económica e, quase certamente, ferir os republicanos nas urnas em 2016. Então, por que é que é provável que isso aconteça?

 

Uma razão reside na natureza descentralizada da política americana, o que deixa os oficiais eleitos relativamente independentes dos líderes partidários. Alguns partidários e financiadores republicanos têm-se mudado para a direita nas últimas décadas. Mas, como James Kwak e eu explicámos no nosso livro sobre a política fiscal, "White House Burning", o tempo em que a direita republicana favorecia orçamentos responsáveis ??e a estabilidade financeira já passou há muito. Agora, a direita - cada vez mais inclinada para um eleitorado do sul, rural, e branco – preocupa-se muito mais em encolher o governo federal, e nos últimos anos tem visto a paralisação parcial dos serviços públicos (‘shutdown’) ou a ameaça do não pagamento de dívidas como formas de "condenar a besta à fome".

 

Além disso, a postura intransigente dos republicanos foi reforçada pela posição extrema tomada por muitos dentro da sua delegação do Congresso sobre o "Planned Parenthood" - um prestador de cuidados de saúde que atende principalmente as mulheres – deixar de ser comparticipado como condição para qualquer acordo de orçamento. A renúncia de Boehner, vista por muitos como uma forma de abrir caminho a um acordo de curto prazo para financiar o governo, apenas ressalta a capacidade limitada de qualquer líder republicano "responsável" para controlar a franja cada vez mais fundamentalista do partido.

 

Nos Estados Unidos, como noutros lugares, os debates sobre a política fiscal devem ser abertos, com declarações claras de objectivos alternativos e avaliações equilibradas sobre as melhores formas de pagar pelo que o governo faz. Infelizmente, um debate e os compromissos que se seguem não é o que os republicanos têm em mente. A saída forçada de Boehner torna mais provável do que nunca que os Estados Unidos - e o mundo – enfrentem brevemente a perspectiva de um outro choque económico auto-infligido, causado inteiramente pelas tácticas orçamentais dos republicanos.

 

Simon Johnson é professor na Escola de Gestão Sloan do MIT e co-autor da obra "White House Burning: The Founding Fathers, Our National Debt, and Why It Matters to You".

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org 
Tradução: Rita Faria

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