Opinião
Roteiro de reformas da China
Na terceira sessão plenária do 18.º Comité Central do Partido Comunista Chinês, em Pequim, o presidente Xi Jinping revelou o diagrama da reforma da China para a próxima década. Antes do seu lançamento, o Centro de Pesquisa de Desenvolvimento do Conselho de Estado, o “think tank” oficial da China, apresentou a sua própria proposta de reforma – o chamado “plano 383” – que oferece um vislumbre da direcção que as reformas irão tomar.
A necessidade de reforma na China está bem documentada. Com vista a escapar da chamada “armadilha do rendimento médio” – quando os níveis de crescimento de uma economia em desenvolvimento estabilizam em vez de darem ao país o estatuto de alto rendimento (definido em Julho de 2013 pelo Banco Mundial como o rendimento per capita de pelo menos 12.616 dólares) – os problemas estruturais inerentes à economia chinesa devem ser abordados.
E a pressão está aqui. Com um rendimento per capita de mais de 6.000 dólares, os chineses estão a tornar-se mais exigentes, insistindo em produtos alimentares seguros, ar puro, governo transparente, habitação acessível, educação de qualidade, segurança social e igualdade de oportunidades. Ao mesmo tempo, os apelos internacionais para que a China assuma as responsabilidades de uma grande potência – não apenas em áreas como o comércio e o investimento, mas também em assuntos como a protecção ambiental e a “governance” mundial – ouvem-se cada vez mais alto.
Mas, o tipo de reformas profundas e abrangentes de que a China precisa são sempre difíceis de implementar, dado que afectam necessariamente os interesses particulares. De modo a conseguir o apoio público para as reformas, maximizando assim as possibilidades de sucesso, o governo deve oferecer explicações claras e acessíveis dos seus objectivos. (O forte pacote de reformas económicas do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, por exemplo, é expressa em “três flechas” – nomeadamente política monetária e orçamental e reforma estrutural).
O Centro de Pesquisa tem uma abordagem holística do processo de reforma, vendo-o quer como uma mudança sistémica quer como uma mudança de mentalidade. Traduzir as suas propostas – que são tão profundas como as reformas de Deng Xiaoping em 1978 – em termos simples e directos não é tarefa fácil, mas o plano 383 aproveita-as com relativa agilidade.
O “383” é um atalho para o conteúdo do plano. Primeiro, a proposta descreve as relações entre os três principais actores da economia chinesa: governo, negócio e o mercado. Segundo, identifica oito áreas chave de reforma: “governance”, política de concorrência, terra, finanças, finanças públicas, activos do Estado, inovação e liberalização do comércio e finanças internacionais. Terceiro, sublinha três objectivos correlacionados: aliviando a pressão externa das mudanças de política interna, construindo a inclusão social através de um esquema básico de segurança social e reduzindo a ineficiência, desigualdade e corrupção através de uma grande reforma da terra rural.
O plano reconhece que as reformas devem ser abrangentes, consistentes e concretas com objectivos claros, programas executáveis e capacidade de implementação eficaz. Ao mesmo tempo, explica o facto de que as relações e percepções não podem ser alteradas de um dia para o outro e que a transformação rápida e vasta não é realista num país de 1,3 mil milhões de pessoas.
Neste contexto, a nova zona de comércio livre em Xangai – a cidade mais internacional da China, com os responsáveis mais experientes e internacionais – é uma experiência avançada na reforma administrativa e liberalização. A zona de comércio livre regula o investimento estrangeiro ao usar uma abordagem de “lista negativa” que identifica os campos onde o investimento estrangeiro é proibido ou restrito e, assim, sujeito a medidas administrativas especiais. Este esquema isolado é quase revolucionário, porque permitirá aos actores estrangeiros ajudar a dar forma à relação do estado chinês com o mercado.
A liderança da China entende claramente que a economia não pode alcançar o seu pleno potencial com as burocracias centrais e locais a servirem como substitutos para o mercado. De facto, uma cultura de experiências de adaptação e aprendizagem a partir de experiências locais e internacionais já está incorporada na burocracia chinesa e construída no planeamento, pilotagem, avaliação, aperfeiçoamento e implantação de projectos de reforma e programas. A implementação eficaz é reforçada através de programas de treino de executivos para responsáveis a todos os níveis.
Nos últimos anos, estudos de caso conduzidos pelas autoridades chinesas, com a ajuda de académicos e think tanks, têm demonstrado que o interface entre o estado e o mercado encontra-se principalmente ao nível municipal, especialmente em sectores chave da indústria, serviços, terra, infra-estrutura e finanças. Os estudos também revelam que 17 cidades chinesas, cada uma com uma população de mais de três milhões de pessoas, já alcançaram o estatuto de elevado rendimento. O conjunto da população destas cidades ascende a 155 milhões de pessoas (11,5% da população total da China) e o seu PIB alcança os 2,1 biliões de dólares (29,1% da produção total da China).
Com as taxas de propriedade de casas a rondarem os 80% nas áreas urbanas, a riqueza das famílias, particularmente em termos da propriedade de terras, já excede a de muitas economias de rendimento médio. De acordo com as estimativas de preços oficiais (que são inferiores aos preços de mercado), o valor do imobiliário na China já atingiu 261% do PIB – semelhante ao rácio dos Estados Unidos.
Claramente, a revolução industrial da China, impulsionada pelas exportações e focada na fabricação de produtos, permitiu ao país acumular uma riqueza interna substancial. Mas, como o actual abrandamento do crescimento da China demonstra, este modelo tem os seus limites.
Uma transição bem sucedida para a próxima fase de criação de riqueza – impulsionada pelo sector dos serviços e pelas indústrias baseadas no conhecimento – vai requerer uma abordagem mais orientada para o mercado, na qual o estado cede algum controle sobre a economia e foca-se em proteger os direitos de propriedade, administrar os serviços de bem-estar, reduzir a poluição e eliminar a corrupção. Uma “governance” melhorada, juntamente com um maior apoio à inovação baseada no mercado, é necessária para sustentar uma economia próspera.
A terceira sessão plenária pretende digerir as experiências da China, bem como as melhores práticas internacionais, de modo a moldar um consenso para uma estratégia de reforma coerente que fomenta uma ordem de crescimento inclusiva, inovadora e sustentável. Como Xi disse, é o momento para a China permitir ao mercado trabalhar onde o governo não pode.
Andrew Sheng, presidente do “Fung Global Institute”, é ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários e Futuros de Hong Kong, e actual professor-adjunto na Universidade de Tsinghua, em Pequim. Xiao Geng é director de investigação do “Fung Global Institute”.
Copyright: Project Syndicate, 2013.
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Tradução de Raquel Godinho