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14 de Março de 2013 às 00:01

Guerra e paz cambial

A ansiedade relativa às políticas monetárias não convencionais e às "guerras de divisas" não pode continuar a dominar o debate político mundial, sobretudo atendendo ao compromisso assumido no mês passado pelos líderes do G-20 de não iniciarem desvalorizações competitivas das divisas.

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Grande parte do mediatismo em torno da reunião dos banqueiros centrais e dos ministros das Finanças do G-20, no mês passado, em Moscovo, centrou-se nas chamadas "guerras de divisas" levadas a cabo – segundo acusam as autoridades de alguns países em desenvolvimento – pelos países desenvolvidos, ao aplicarem políticas monetárias não convencionais. Mas uma outra questão decisiva – a do financiamento do investimento a longo prazo – foi em grande medida negligenciada, se bem que para se pôr fim à política monetária não convencional seja necessário revitalizar ou criar novos activos e obrigações de longo prazo na economia mundial. 


O colapso do Lehman Brothers em 2008 fez disparar os prémios de risco e desencadeou um movimento de pânico nos mercados financeiros, enfraquecendo os activos norte-americanos e de outros países e ameaçando provocar um aperto do crédito. De modo a evitar a venda, a preços de saldo, dos activos – que poderia ter conduzido a um desmoronamento desordenado dos balanços do sector privado, levando possivelmente a uma nova "Grande Depressão" ou à queda da Zona Euro –, os bancos centrais dos países desenvolvidos começaram a comprar activos de risco e a aumentar os empréstimos a instituições financeiras, ampliando assim a massa monetária.

Apesar de os receios de um desmoronamento terem sido dissipados, estas políticas mantiveram-se ou foram alargadas, com os decisores políticos a invocarem a fragilidade da retoma económica em curso e com a inexistência de outras alavancas normativas igualmente fortes – como, por exemplo, a política orçamental ou as reformas estruturais – que pudessem substituir a política monetária com rapidez suficiente.

Contudo, vários anos de política monetária excessivamente permissiva nos países desenvolvidos levaram a uma significativa acumulação de liquidez no estrangeiro, o que criou uma excessiva pressão em alta sobre as divisas dos países em desenvolvimento de maior rendimento. Como os países em desenvolvimento tinham dificuldades em impedir a entrada maciça de capitais ou em atenuar os seus efeitos – devido a condicionalismos económicos, como inflação elevada, ou à política interna –, a metáfora das "guerras de divisas", cunhada em 2010 pelo ministro brasileiro das Finanças, Guido Mantega, encontrou um forte eco.

Além disso, apenas uma pequena parte da liquidez criada pela política monetária não convencional foi canalizada para as famílias e para as pequenas e médias empresas que criam a maior parte dos empregos. Em vez disso, foram as entidades financeiras mundiais afectadas pela crise que as utilizaram para sustentarem os seus esforços de desendividamento e para reconstruírem o seu capital, enquanto as grandes empresas acumularam grandes reservas líquidas e refinanciaram as suas dívidas em condições favoráveis. Consequentemente, o crescimento económico e a criação de emprego continuam a ser débeis, o que limita seriamente a disponibilidade de financiamento dos investimentos em activos produtivos de longo prazo – essenciais para o crescimento sustentável.

Há quem creia que a eliminação dos riscos de cauda macrofinanceiros, o reforço progressivo da retoma económica mundial e o aumento dos preços dos activos existentes acabarão por convencer aqueles que acumularam dinheiro a aumentarem a sua exposição a novas iniciativas nas economias desenvolvidas, mas esse optimismo pode não se justificar. Com efeito, aquando da recente reunião do G-20, o Banco Mundial apresentou um relatório geral sobre o financiamento do investimento a longo prazo em prol do crescimento e do desenvolvimento, onde – com base na análise feita por várias organizações internacionais – se destacaram várias preocupações.

Para começar, é provável que persista, por parte dos bancos, a actual redução do financiamento para o investimento de longo prazo. Afinal de contas, muitos dos bancos dos países desenvolvidos, especialmente na Europa, que dominaram esse tipo de investimentos – por exemplo, financiando projectos de infra-estruturas de larga escala – estão a viver processos de profunda desalavancagem e a reconstruir as suas reservas de fundos próprios. Até agora, os restantes bancos não conseguiram ainda colmatar essa lacuna.

Além disso, o efeito das reformas regulatórias subscritas a nível internacional, a maioria das quais não entrou ainda em vigor, será o de aumentar as necessidades de capital dos bancos e, ao mesmo tempo, reduzir a amplitude dos riscos de transformação das maturidades que podem manter nos seus balanços. A "nova normalidade" que daí resulta vai provavelmente caracterizar-se por empréstimos bancários de longo prazo mais raros e mais caros.

O relatório do Banco Mundial sublinha também que, devido à racionalização bancária, os investidores institucionais com dívida de longo prazo (como é o caso dos fundos de pensões, das seguradoras e dos fundos de riqueza soberana) poderão ser chamados a desempenhar um papel mais importante no financiamento a longo prazo dos activos. Mas para facilitar essa mudança, deverão ser criados mecanismos financeiros apropriados; será preciso adquirir conhecimentos especializados em matéria de investimento e de gestão de riscos; será preciso melhorar os quadros regulamentares e serão necessários dados e critérios adequados para os investimentos. Os referidos investidores deverão centrar-se nas pequenas e médias empresas, que são frequentemente negligenciadas pelos bancos.

Por último, os mercados obrigacionistas em moeda local – e, mais em geral, os mercados nacionais de capitais – das economias emergentes devem ser mais explorados, de modo a prolongar a duração dos fluxos financeiros. Os mercados de dívida pública em moeda local tiveram resultados bastante bons durante a crise, ao passo que os mercados de dívida corporativa em moeda local desempenharam um papel mais modesto como mecanismo de financiamento a longo prazo, o que indica que as reformas internas destinadas a reduzir os custos de emissão, melhorar as exigências de informação pública, aperfeiçoar os quadros jurídicos dos credores e combater outros factores inibidores poderão dar importantes resultados.

A ansiedade relativa às políticas monetárias não convencionais e às "guerras de divisas" não pode continuar a dominar o debate político mundial, sobretudo atendendo ao compromisso assumido no mês passado pelos líderes do G-20 de não iniciarem desvalorizações competitivas das divisas. Em vez disso, os líderes globais devem esforçar-se por aproveitar ao máximo a liquidez que as medidas não convencionais geraram, e usarem-na para apoiar o investimento em activos produtivos de longo prazo. Só com esta abordagem é que se pode criar uma base sólida e sustentável para a recuperação da economia mundial.

© Project Syndicate, 2013.

www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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