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11 de Fevereiro de 2014 às 22:00

Perdidos na transição

Só se forem reconhecidas as fragilidades dos velhos modelos de crescimento e se implementarem as reformas estruturais necessárias é que as economias emergentes poderão alcançar um crescimento sólido, estável e sustentável do PIB – e alcançar o seu potencial como principais impulsionadoras da economia mundial.

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Os mercados financeiros e os meios de comunicação social têm uma coisa em comum: tendem a oscilar rapidamente entre a euforia e a tristeza. Em nenhuma circunstância isso fica mais evidente do que nas análises das perspectivas para as economias emergentes. Nos últimos meses, o entusiasmo em torno da capacidade de superação económica pós-2008 desses países e do seu potencial de crescimento deu lugar a perspectivas sombrias, com economistas como Ricardo Hausmann a declararem que "a festa dos mercados emergentes" estava prestes a terminar.

Muitos estão agora convictos de que a recente desaceleração generalizada do crescimento nas economias emergentes não é cíclica, mas sim um reflexo de falhas estruturais subjacentes. Essa interpretação contradiz aqueles (incluindo eu) que não há muito tempo antecipavam uma mudança nos motores da economia global, com as forças autónomas de crescimento das economias emergentes e em desenvolvimento a compensarem a força contrária das economias desenvolvidas que estavam em apuros.

Por certo, o cenário de referência da "nova normalidade" do pós-crise sempre supôs um crescimento económico mundial mais lento do que o registado durante o período de expansão pré-2008. Para as principais economias desenvolvidas, a crise financeira de há cinco anos marcou o fim de um prolongado período de consumo interno financiado pelo endividamento, baseado nos efeitos de riqueza decorrentes da insustentável sobrevalorização dos preços dos activos. A crise levou assim ao fim do modelo de crescimento chinês, fomentado pelas exportações, que tinha contribuído para a escalada dos preços das matérias-primas, o que, por sua vez, tinha permitido relançar o crescimento do PIB dos países em desenvolvimento exportadores de "commodities".

Num tal contexto, não seria razoável esperar um regresso aos padrões de crescimento do pré-crise, mesmo depois de as economias desenvolvidas terem concluído o processo de desalavancagem e corrigido os seus balanços. No entanto, ainda se esperava que o desempenho económico dos países em desenvolvimento divergisse dos países em desenvolvimento e impulsionasse a produção mundial através de fontes de crescimento novas e relativamente autónomas.

Segundo esta visão, os balanços públicos e privados saudáveis e os estrangulamentos nas infra-estruturas existentes abririam espaço para um aumento do investimento e para uma maior produtividade total dos factores em muitos países em desenvolvimento. A convergência tecnológica e a transferência de mão-de-obra excedente para actividades comercializáveis mais produtivas persistiriam, apesar do crescimento anémico das economias desenvolvidas.

Ao mesmo tempo, as classes médias em rápido crescimento em todo o mundo em desenvolvimento constituiriam uma nova fonte de procura. Ao aumentarem a sua participação no PIB mundial, os países em desenvolvimento sustentariam uma procura relativa por matérias-primas, evitando assim que os preços voltassem aos baixos níveis das décadas de 1980 e 1990.

As melhorias na qualidade das políticas económicas dos países em desenvolvimento na década anterior à crise – reflectidas no amplo raio de acção de que dispunham para reagir a ela – reforçaram esse optimismo. Com efeito, os países emergentes reconheceram em grande medida a necessidade de uma estratégia abrangente, que englobasse políticas específicas e reformas estruturais profundas, para desenvolver novas fontes de crescimento.

No entanto, ficou visível que os entusiastas dos mercados emergentes subestimaram pelo menos dois factores muito importantes. Em primeiro lugar, a motivação das economias emergentes para transformarem os seus modelos de crescimento foi mais fraca do que o esperado. O contexto económico global – caracterizado por enormes níveis de liquidez e baixas taxas de juro decorrentes de uma política monetária pouco convencional nas economias desenvolvidas – levou a maioria das economias emergentes a usarem a sua margem política para fortalecerem as fontes de crescimento existentes em vez de criarem novas fontes.

Mas os retornos do crescimento diminuíram e os desequilíbrios agravaram-se. Países como a Rússia, Índia, Brasil, África do Sul e Turquia usaram a margem disponível de expansão do crédito para apoiarem o consumo, sem aumentarem proporcionalmente o investimento. A dívida das empresas não financeiras da China aumentou fortemente, em parte devido a investimentos duvidosos no mercado imobiliário.

Além disso, não se actuou prevendo o fim dos benefícios dos termos de troca em países ricos em recursos naturais, como a Rússia, Brasil, Indonésia e África do Sul, que se têm confrontado com aumentos dos custos salariais e limites à sua capacidade produtiva. A debilidade orçamental e a fragilidade da balança de pagamentos agudizaram-se na Índia, Indonésia, África do Sul e Turquia.

O segundo problema das previsões relativas às economias emergentes foi a sua incapacidade para tomar em consideração o vigor com o qual os interesses particulares e outras forças políticas resistiriam às reformas – um descuido relevante, tendo em conta a desigualdade dos esforços de reforma desses países antes de 2008. O inevitável lapso temporal entre as reformas e os resultados agravou ainda mais as coisas.

Contudo, da mesma forma que as perspectivas das economias emergentes foram nitidamente celebradas com excesso de euforia na esteira da crise, também os prognósticos sombrios que dominam as manchetes de hoje são exagerados. Existe ainda uma série de factores que indicam que o papel das economias emergentes na economia mundial vai continuar a crescer – só que não da maneira tão rápida ou drástica que antevia.

No Verão passado, a mera sugestão de uma mudança de rumo na política monetária dos Estados Unidos provocou um forte aumento da rendibilidade das obrigações, que impulsionaram uma liquidação de activos nalgumas grandes economias emergentes. Talvez essa experiência sirva como sinal de alerta para os líderes desses países. Só se forem reconhecidas as fragilidades dos velhos modelos de crescimento e se implementarem as reformas estruturais necessárias é que as economias emergentes poderão alcançar um crescimento sólido, estável e sustentável do PIB – e alcançar o seu potencial como principais impulsionadoras da economia mundial.

© Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

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