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08 de Novembro de 2016 às 18:46

A ameaça proteccionista

Os actuais ataques ao comércio internacional são o que sucede quando os receios em matéria de economia – nomeadamente a estagnação dos rendimentos médios e, nalguns países, as elevadas taxas de desemprego – ganham uma dimensão política.

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As perspectivas para o crescimento do comércio mundial em 2016 e 2017 voltaram a ser revistas em baixa. A Organização Mundial do Comércio (OMC) estima agora que o crescimento deste ano seja o mais lento desde a recessão mundial pós-2008. O que é que se passa?

 

Não é só resultado de uma retoma económica global anémica. Em geral, o comércio sempre cresceu mais do que o PIB; nos anos que antecederam a crise financeira mundial de 2008, o crescimento médio era em média duas vezes mais elevado. No entanto, desde 2012 esta proporção do crescimento entre o comércio e o PIB tem vindo a cair, uma tendência que culminará este ano com o crescimento do PIB a superar o do comércio - pela primeira vez em 15 anos.

 

Esta inversão de tendência decorre em parte de factores estruturais, nomeadamente uma horizontalização na expansão das cadeias de valor mundiais e um ponto de viragem no processo da transformação estrutural na China e noutros países em rápido crescimento. É provável que a crescente proporção dos serviços no PIB dos países implique uma pressão baixista adicional sobre os fluxos comerciais, atendendo a que os serviços suscitam menos trocas materiais do que os produtos manufacturados.

 

Mas nem todas as forças que minam o comércio são de longo prazo. Há outros factores que são temporários, relacionados com a crise e potencialmente reversíveis que também têm impacto. A título de exemplo, o mal-estar económico sentido desde 2008 por muitos países membros da Zona Euro, que eram tradicionalmente fonte de uma parte importante do comércio internacional, desencorajou o consumo, as contratações e muito mais. A fraca retoma do investimento em capital fixo nas economias avançadas também penalizou o comércio, porque os bens de investimento envolvem mais trocas transfronteiriças do que os bens de consumo.

 

Talvez mais arriscado, contudo, seja a crescente oposição ao comércio livre, reflectida na ausência de progressos nas mais recentes rondas de liberalização do comércio e na implementação de medidas proteccionistas sob a forma de barreiras comerciais não-tarifárias. Apesar de este proteccionismo incipiente não ter ainda um impacto quantitativo substancial sobre o comércio, o seu aparecimento gera fortes inquietações num contexto de crescente sentimento anti-globalização nas economias avançadas.

 

Os actuais ataques ao comércio internacional são o que sucede quando os receios em matéria de economia – nomeadamente a estagnação dos rendimentos médios e, nalguns países, as elevadas taxas de desemprego – ganham uma dimensão política. Vendo na insatisfação económica uma oportunidade para ganhar partidários, alguns políticos astutos – sobretudo nas economias desenvolvidas – têm vindo a apontar o dedo às forças nebulosas e ameaçadoras da "globalização". A imigração e o comércio, defendem esses políticos, são a causa da insegurança económica dos cidadãos.

 

A melhor prova é a actual campanha presidencial nos Estados Unidos, que tem colocado mais ênfase no comércio do que qualquer outra campanha na história recente do país. Num contexto político difícil, tanto Hillary Clinton como Donald Trump estão a propor políticas comerciais que se afastam da longa tradição de liberalização da América – com implicações económicas potencialmente nefastas.

 

Hillary Clinton, a candidata democrata, opõe-se agora à Parceria TransPacífico (TPP, na sigla em inglês), um acordo comercial que a Administração do presidente Barack Obama negociou com 11 outros países da Orla do Pacífico e que aguarda agora pela ratificação por parte do Congresso norte-americano. Clinton opõe-se também à atribuição do "estatuto de economia de mercado" à China, porque seria mais difícil aplicar-lhe medidas anti-dumping. E Clinton defende ainda a imposição de direitos aduaneiros aos países que manipulem as suas taxas de câmbio.

 

Donald Trump, que é um dos principais partidários do proteccionismo, leva estas ideias muito mais longe. Tal como Hillary Clinton, opõe-se ao TPP e defende direitos aduaneiros aos países que manipulam as taxas cambiais. Mas também se tem expressado de forma bastante depreciativa quando fala do México e da China, estando já a defender que os EUA apliquem tarifas punitivas sobre ambos os países. Além disso, promete renegociar – e talvez mesmo derrogar – os acordos comerciais já existentes, aludindo à possibilidade de os Estados Unidos saírem da OMC.

 

As medidas propostas por Clinton levarão a que os EUA percam algumas vantagens provenientes do comércio, com consequências para a economia mundial. Mas esse dano pouco significa quando comparado com o que provocarão as propostas de Trump. Se os Estados Unidos aplicarem medidas proteccionistas, os seus parceiros comerciais farão o mesmo, o que poderá desencadear uma guerra comercial que a todos prejudicará economicamente.

 

Tal como foi sublinhado no mês passado pelo Peterson Institute of International Economics, as primeiras vítimas desse impacto negativo seriam os trabalhadores com baixas qualificações e baixos rendimentos – precisamente as pessoas que se mostram mais favoráveis ao proteccionismo. Infelizmente, este relatório mostra também que o presidente norte-americano dispõe de uma grande margem de manobra para adoptar medidas de restrição ao comércio sem um controlo real por parte do Congresso ou dos tribunais.

 

Obviamente, é preciso dar resposta às preocupações que fomentaram o sentimento anti-globalização. Nos Estados Unidos e no resto do mundo, os políticos devem delinear medidas que de facto ajudem os seus cidadãos mais vulneráveis. Mas diabolizar o comércio não é a forma de o fazer. Pelo contrário, tal como a experiência da década de 1930 o demonstrou, a maneira mais fácil de fazer descarrilar uma retoma económica global já de si hesitante é desencadear uma guerra comercial proteccionista.

 

As opiniões aqui manifestadas são exclusivamente do autor e não reflectem necessariamente a posição do Banco Mundial ou dos governos que este organismo representa.

 

Otaviano Canuto é director executivo do Banco Mundial.

 

Direitos de autor: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org

Tradução: Carla Pedro

 

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