Opinião
Os riscos dos novos motores do crescimento
Enquanto os países ricos recuperam da crise, as nações em desenvolvimento estão a tornar-se no novo motor do crescimento global.
Cada vez mais são uma força que impulsiona a economias avançadas. Mas trocar de locomotivas tem sempre um certo risco.
Tal como o meu colega Marcelo Giugale e eu defendemos no nosso recente livro "The Day After Tomorrow" ("O dia depois de amanhã"), há, pelos menos, quatro áreas em que esta troca está a ocorrer. Em primeiro lugar, os balanços do sector público e privado na maioria das economias emergentes estão relativamente limpos. Enquanto as economias avançadas estão a realizar um processo de deslavancagem, muitos países em desenvolvimento vão poder explorar oportunidades de investimento que não estão a ser aproveitadas - o exemplo mais evidente são os projectos de infra-estruturas que estão por realizar.
Em segundo lugar, há uma grande quantidade de tecnologias que o mundo em desenvolvimento ainda vai adquirir, adoptar e adaptar. Graças aos avanços na informação e nas comunicações, a transferências dessas tecnologias é cada vez mais barata e segura. Além disso, a diminuição dos custos de transporte e a dissolução de cadeias de produção vertical em muitos sectores estão a facilitar a integração dos países mais pobres na economia global.
Em terceiro lugar, a outra face do surgimento de uma nova classe média em muitos mercados emergentes é que a absorção interna (consumo e investimento) nos países em desenvolvimento pode ser superior ao seu próprio potencial produtivo. Se forem reforçadas as ligações comerciais Sul-Sul, poderíamos assistir a uma nova ronda bem sucedida de crescimento das exportações em países pequenos.
Por último, os países em desenvolvimento ricos em recursos podem beneficiar da forte procura por matérias-primas no médio prazo. Com os mecanismos de administração de receitas em funcionamento - em particular para evitar comportamentos corruptos - a disponibilidade de recursos naturais pode tornar-se uma bênção, em vez de uma maldição, para estes países.
A maioria dos países em desenvolvimento já estava a percorrer estas áreas ainda antes da crise financeira global, devido, em grande parte, às melhorias realizadas nas políticas económicas durante a década anterior. Dado que estas políticas permitiram que estes países reagissem bem aos choques provocados pelo epicentro da crise, há fortes incentivos a que elas se mantenham em vigor.
Existe, no entanto, uma enorme ameaça à transição suave para novas fontes de crescimento global: a possibilidade de exageros no inevitável ajustamento dos preços dos activos que acompanha a mudança das perspectivas de crescimento e as percepções de risco relativas.
De facto, como a criação de novos activos nos países em desenvolvimento vai ser mais lenta do que o aumento da procura, o preço dos activos existentes nesses mercados - acções, obrigações, imobiliário, capital humano - deverá, muito provavelmente, superar o valor de equilíbrio de longo prazo. A história recente está cheia de exemplos dos efeitos secundários negativos que podem ocorrer.
Todos os episódios recentes de expansões e de crises - na América Latina, Ásia e Rússia nos anos 90, e na Europa de Leste e do Sul e na Irlanda mais recentemente - partilham alguma combinação de custos financeiros insustentavelmente baixos, bolhas de activos, sobre-endividamento, crescimento salarial não acompanhado por ganhos na produtividade e uma absorção interna superior à produção. Em todos os casos, estes desequilíbrios foram alimentados por períodos, facilmente identificáveis, de euforia e de repentina subida dos preços dos activos.
É verdade que existiram factores externos que foram favoráveis - ou pelos menos permissivos - para tais períodos de euforia. Os défices orçamentais e de conta corrente de dois dígitos (e/ou os desequilíbrios de divisas e vencimento da dívida) eram a regra. A ideia que quero sublinhar é que as forças poderosas que impulsionam os preços dos activos podem ser accionadas mesmo sem uma entrada maciça de liquidez. A luta por activos disponíveis e uma perigosa euforia pode ocorrer, exclusivamente, através de mecanismos internos.
Assim, o que devem fazer os países em desenvolvimento, alem de manter políticas macroeconómicas fortes, controlar a alavancagem financeira excessiva e tentar proteger-se das entradas de capitais voláteis?
A tarefa mais importante é facilitar e reforçar a criação de novos activos. E há muito que os países desenvolvidos podem fazer a este respeito. Podem aproveitar a actual bonança de capital disponível para criar competitividade, transparência e qualidade institucional nos mercados onde podem ser realizados novos investimentos. Podem garantir que as suas regras são consistentes e favoráveis ao financiamento de projectos de investimento de longo prazo. E podem investir na sua própria capacidade para seleccionar e definir projectos.
Estas e outras reformas internas poderiam moderar o frenético aumento dos preços dos activos nos países em desenvolvimento. Por essa razão, são também a melhor forma de garantir que as próximas locomotivas do crescimento global - e todas as economias que impulsionarem - permanecem nos Carris.
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
Tal como o meu colega Marcelo Giugale e eu defendemos no nosso recente livro "The Day After Tomorrow" ("O dia depois de amanhã"), há, pelos menos, quatro áreas em que esta troca está a ocorrer. Em primeiro lugar, os balanços do sector público e privado na maioria das economias emergentes estão relativamente limpos. Enquanto as economias avançadas estão a realizar um processo de deslavancagem, muitos países em desenvolvimento vão poder explorar oportunidades de investimento que não estão a ser aproveitadas - o exemplo mais evidente são os projectos de infra-estruturas que estão por realizar.
Em terceiro lugar, a outra face do surgimento de uma nova classe média em muitos mercados emergentes é que a absorção interna (consumo e investimento) nos países em desenvolvimento pode ser superior ao seu próprio potencial produtivo. Se forem reforçadas as ligações comerciais Sul-Sul, poderíamos assistir a uma nova ronda bem sucedida de crescimento das exportações em países pequenos.
Por último, os países em desenvolvimento ricos em recursos podem beneficiar da forte procura por matérias-primas no médio prazo. Com os mecanismos de administração de receitas em funcionamento - em particular para evitar comportamentos corruptos - a disponibilidade de recursos naturais pode tornar-se uma bênção, em vez de uma maldição, para estes países.
A maioria dos países em desenvolvimento já estava a percorrer estas áreas ainda antes da crise financeira global, devido, em grande parte, às melhorias realizadas nas políticas económicas durante a década anterior. Dado que estas políticas permitiram que estes países reagissem bem aos choques provocados pelo epicentro da crise, há fortes incentivos a que elas se mantenham em vigor.
Existe, no entanto, uma enorme ameaça à transição suave para novas fontes de crescimento global: a possibilidade de exageros no inevitável ajustamento dos preços dos activos que acompanha a mudança das perspectivas de crescimento e as percepções de risco relativas.
De facto, como a criação de novos activos nos países em desenvolvimento vai ser mais lenta do que o aumento da procura, o preço dos activos existentes nesses mercados - acções, obrigações, imobiliário, capital humano - deverá, muito provavelmente, superar o valor de equilíbrio de longo prazo. A história recente está cheia de exemplos dos efeitos secundários negativos que podem ocorrer.
Todos os episódios recentes de expansões e de crises - na América Latina, Ásia e Rússia nos anos 90, e na Europa de Leste e do Sul e na Irlanda mais recentemente - partilham alguma combinação de custos financeiros insustentavelmente baixos, bolhas de activos, sobre-endividamento, crescimento salarial não acompanhado por ganhos na produtividade e uma absorção interna superior à produção. Em todos os casos, estes desequilíbrios foram alimentados por períodos, facilmente identificáveis, de euforia e de repentina subida dos preços dos activos.
É verdade que existiram factores externos que foram favoráveis - ou pelos menos permissivos - para tais períodos de euforia. Os défices orçamentais e de conta corrente de dois dígitos (e/ou os desequilíbrios de divisas e vencimento da dívida) eram a regra. A ideia que quero sublinhar é que as forças poderosas que impulsionam os preços dos activos podem ser accionadas mesmo sem uma entrada maciça de liquidez. A luta por activos disponíveis e uma perigosa euforia pode ocorrer, exclusivamente, através de mecanismos internos.
Assim, o que devem fazer os países em desenvolvimento, alem de manter políticas macroeconómicas fortes, controlar a alavancagem financeira excessiva e tentar proteger-se das entradas de capitais voláteis?
A tarefa mais importante é facilitar e reforçar a criação de novos activos. E há muito que os países desenvolvidos podem fazer a este respeito. Podem aproveitar a actual bonança de capital disponível para criar competitividade, transparência e qualidade institucional nos mercados onde podem ser realizados novos investimentos. Podem garantir que as suas regras são consistentes e favoráveis ao financiamento de projectos de investimento de longo prazo. E podem investir na sua própria capacidade para seleccionar e definir projectos.
Estas e outras reformas internas poderiam moderar o frenético aumento dos preços dos activos nos países em desenvolvimento. Por essa razão, são também a melhor forma de garantir que as próximas locomotivas do crescimento global - e todas as economias que impulsionarem - permanecem nos Carris.
Otaviano Canuto, vice-presidente do Banco Mundial para a Redução da Pobreza e Gestão Económica, é co-autor do livro "The Day After Tomorrow - a Handbook on the Future of Economic Policy in the Developing World", disponível em www.worldbank.org/prem
© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques
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