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04 de Julho de 2014 às 17:06

Desastres climáticos mais seguros

Muitas vezes, aqueles que participam no debate sobre as mudanças climáticas fazem uma distinção errónea entre a protecção do impacto de longo prazo do aquecimento global e a preparação contra os eventos climáticos extremos de hoje em dia.

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Relatórios recentes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC, na sigla inglesa) têm procurado quebrar essa divisão artificial. Ao mesmo tempo que procuramos reduzir as emissões de gases de efeito estufa, temos de trabalhar no sentido de uma gestão mais eficaz dos riscos de catástrofe.

 

A adaptação às alterações climáticas é tipicamente associada com o "hardware" de grandes projectos de desenvolvimento. Destina-se a aumentar a resiliência contra o impacto do aquecimento global a longo prazo - ou seja, a subida dos níveis do mar, os invernos mais severos e os verões mais quentes, o agravamento da seca, chuvas e tempestades mais violentas, entre muitos outros efeitos.

 

Mas o que muitas vezes é esquecido é o "software" de gestão dos riscos de catástrofe – o nível de preparação das nossas sociedades, incluindo os sistemas de alerta precoce, educação e comunicação efectiva com as populações mais vulneráveis. Na verdade, este aspecto das alterações climáticas já registou alguns progressos notáveis ??nos últimos anos, nomeadamente um declínio acentuado no número de mortes relacionadas com o clima.

 

Os relatórios do IPCC lembram os governos e o público em geral que a adaptação à mudança climática implica muito mais do que o planear as mudanças na temperatura média, nível do mar, e na precipitação. Também nos obriga a reduzir ou controlar os riscos associados às mudanças climáticas. Grande parte do perigo não reside apenas nos eventos climáticos graves e imprevisíveis em si, mas também na forma fatal como esses eventos interagem com outros riscos provocados pelo homem.

 

Os seres humanos têm sido, desde sempre, presas à mercê das forças da natureza, especialmente ao longo das costas expostas, margens de rios ou encostas. Mas as mudanças no clima têm tornado mais fortes as inundações, tempestades, terramotos, ondas de calor, ondas de frio, secas e deslizamentos de terra. É sobre este ponto vital que se debruçam as mais recentes actualizações do IPCC, apelando aos "gestores" de catástrofes que actualizem os seus planos de acção.   

 

Por exemplo, os dados referentes aos principais desastres de 2013 sugerem que, pela primeira vez em muitos anos, mais pessoas foram afectadas por tempestades do que por inundações. Embora seja muito cedo para tirar conclusões definitivas, a longo prazo as tempestades podem representar uma percentagem maior dos custos relacionados com as catástrofes, a nível global, que já ultrapassam os 100 mil milhões de dólares anuais.  

 

No entanto, não podemos simplesmente olhar para eventos climáticos do passado para prever os padrões futuros. Desde 2008, por exemplo, mais de 150 milhões de pessoas em todo o mundo foram deslocadas por causa de desastres que poucos previram. E, certamente, piores desastres irão acontecer, à medida que aumenta a interacção das alterações climáticas com outros males sociais como a pobreza, a degradação ambiental, o crescimento populacional, a urbanização e o mau uso do solo.

 

A realidade que enfrentamos ficou demonstrada nas duas grandes tempestades do ano passado. Em Outubro de 2013, o ciclone Phailin atingiu a costa da Índia. Em 1999, quando ocorreu um desastre semelhante, 10 mil pessoas morreram. Desta vez, felizmente, as autoridades e comunidades locais estavam bem preparadas: ainda que 12 milhões de pessoas tenham sido afectadas pelo Phailin, a evacuação de um milhão de pessoas manteve o número de mortos abaixo dos dois dígitos.

 

Comparemos isto com a tempestade Typhoon Haiyan, a mais poderosa de sempre nas Filipinas. O aquecimento do Oceano Pacífico contribuiu para a formação de ondas sem precedentes, com mais de sete metros de altura. Mas a incerteza e a falta de acção sobre o impacto potencial da Haiyan resultou em cerca de 6 mil mortos.  

 

A lição que pode ser tirada dessa tragédia é que as alterações climáticas nos obrigaram a mudar a forma como analisamos a gestão dos riscos de catástrofes. Na verdade, as alterações climáticas têm a ver, essencialmente, com gestão de risco. Embora a resposta ideal a longo prazo fosse eliminar todas as emissões de gases de efeito estufa até ao final do século, devemos enfrentar os desafios imediatos de proteger as populações mais vulneráveis ??do planeta. Com uma discussão aberta e um pouco de criatividade, essas ameaças podem certamente ser abordadas.

 

Felizmente, os relatórios do IPCC deram origem a um debate sobre como devemos actualizar o "Hyogo Framework for Action" de 2005, acordado na sequência do tsunami do Oceano Índico de 2004. Esperamos que este trabalho resulte numa nova abordagem da gestão dos riscos de desastre na fase de preparação para a Conferência Mundial da ONU sobre a Redução do Risco de Desastres, a ser realizada em Sendai, no Japão, no próximo mês de Março.

 

A Conferência de Sendai deve ser o foco internacional para as políticas futuras, e deve complementar a agenda de desenvolvimento pós-2015, que incluirá novos objetivos de desenvolvimento sustentável e um acordo global sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa.

 

É claro que o mundo não está preparado para as surpresas desagradáveis ??que as mudanças climáticas vão provocar. Mas, com cerca de 70 países em desenvolvimento que ainda não dispõem de meios para proporcionar aos seus cidadãos informações básicas, tais como a forma como as mudanças climáticas podem afectar a agricultura e os padrões climáticos locais, ainda há muitas coisas que podemos fazer para reduzir os riscos.

 

Na verdade, é uma questão de urgência global que todas as sociedades, ricas e pobres, entendam como a gestão de riscos de desastres opera em todo o espectro de potenciais ameaças. Não é apenas a nossa prosperidade futura que está em jogo; o mundo poderá perder os progressos duramente conquistados na redução da pobreza nas últimas décadas.

 

Kristalina Georgieva é Comissária Europeia para a Cooperação Internacional, Ajuda Humanitária e Resposta às Crises. Margareta Wahlström é chefe do Departamento da ONU para a Redução do Risco de Desastres.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria 

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