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07 de Maio de 2014 às 16:10

Auto-protecção ou auto-destruição?

Embora a Reserva Federal dos Estados Unidos faça vista grossa em relação aos efeitos indirectos da sua política monetária, o resto do mundo está preocupado com o impacto que a inversão do fluxo de capitais terá nas economias emergentes. Será que as reservas de moeda estrangeira que esses países acumularam nos últimos anos são suficientes para proteger os seus sistemas financeiros, com a liquidez a fluir em direcção aos países desenvolvidos?

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A resposta curta é não, porque uma auto-protecção excessiva, em última instância, faz mais mal do que bem. Com o objectivo de quebrar o ciclo de desestabilização dos fluxos de capital de curto prazo e acumulação excessiva de reservas internacionais, o Fundo Monetário Internacional, com amplo apoio do G-20, deve elaborar novas regras relativas às repercussões da política monetária.

 

Crises graves deixam marcas na psique de uma nação. No final dos anos 90, as crises cambiais e bancárias que assolaram as economias asiáticas levaram os líderes dos países afectados a uma conclusão simples: os seguros nunca são de mais. Embora a introdução de taxas de câmbio flutuantes tenha retirado algum do incentivo para pedir emprestado em moeda estrangeira (reduzindo, portanto, a necessidade de auto-protecção), a humilhação política de perder a soberania para o FMI - mesmo que apenas temporariamente - era tão devastadora que os custos económicos de criar enormes reservas de divisas pareciam valer a pena. Mas os líderes desses países não estavam conscientes de todas as consequências.

 

A acumulação de reservas de moeda estrangeira pressiona a taxa de câmbio, ostensivamente como um mecanismo regulador. No entanto, com moedas mais fortes nos mercados emergentes, na década de 2000, ter-se-ia, provavelmente, atingido um reequilíbrio mais cedo em relação à procura interna. E se esses países tivessem reciclado uma reserva menor de divisas em títulos do Tesouro norte-americano ou obrigações de agências governamentais, as taxas de juros dos Estados Unidos teriam, provavelmente, permanecido mais elevadas, os excedentes em conta corrente dos mercados emergentes teriam diminuido mais cedo, e os défices das economia avançadas teriam contraído, restaurando assim uma aparência de equilíbrio. Mas, é claro, não foi isso que aconteceu – desfavorecendo a estabilidade financeira global.

 

Além disso, a acumulação de auto-protecções pode gerar uma competição semelhante a uma corrida ao armamento. Seja para evitar o aparecimento de seguros inadequados ou para evitar a perda de quota de exportação, as grandes intervenções ??nos mercados de câmbio tornaram-se amplamente aceites entre as economias emergentes da Ásia como uma resposta natural aos grandes fluxos de capital - contradizendo directamente os compromissos desses países com taxas de câmbio flutuantes.

 

Dado que a intervenção persistente nos mercados de divisas reduziu a volatilidade, incentivou a entrada cada vez maior de capitais, devido à percepção de menor risco. Ao mesmo tempo, as moedas dos países que optaram por não intervir tornaram-se alvos de entrada de capitais especulativos, devido à expectativa de que elas apreciariam. Por outras palavras, os efeitos indirectos verificam-se não só entre economias avançadas e emergentes, mas também entre economias emergentes.

 

No entanto, países como a África do Sul e o México – que decidiram não intervir – tiveram melhores resultados do que aqueles que interviram em excesso. Nenhum deles sofreu consequências financeiras graves devido à debilidade das moedas que se seguiu ao anúncio da Reserva Federal, em Maio do ano passado, de que iria reduir gradualmenteo seu programa de compra de activos. Em geral, as taxas de câmbio verdadeiramente flexíveis cumpriram os seus objectivos: eliminaram os incentivos para acumular dívida externa, fomentaram a flexibilidade na economia real e promoveram o desenvolvimento de mercados de capitais amplos e com muita liquidez.

 

Outra consequência da auto-protecção está ligada ao objectivo, aparentemente louvável, de preservar a soberania nacional. Os governos podem ser tentados, especialmente em altura de eleições, de usar essa auto-protecção como um substituto do ajustamento, e não como uma forma de mitigar o impacto de uma crise ou de apoiar o reequilíbrio económico. Até porque a alternativa - alugar um "seguro" de organismos multilaterais como o FMI – exigiria o cumprimento de certas obrigações em matéria de reformas.

 

O facto é que as políticas de auto-protecção das economias emergentes, tal como a política acomodatícia da Fed, alimentam um ciclo de retroalimentação reflexiva. Sugerir que os países cedam independência em matéria de política monetária seria imprudente, mas é evidente que são necessárias algumas regras para limitar os efeitos indirectos – regras essas que deveriam vir de um FMI renovado, com o Congresso dos Estados Unidos a demonstrar o seu apoio através de um aumento da sua quota.

 

Especificamente, o FMI deve ser responsável por avaliar as repercussões e mobilizar apoios de liquidez às economias mais vulneráveis. Esse "seguro" multilateral diminuiria a necessidade de auto-protecção, sem interferir na soberania dos países.

 

Essas regras não isolariam totalmente as economias dos efeitos indirectos da política monetária, que são um elemento incontornável do processo de ajustamento da economia. Mas poderiam ajudar a mitigar o tipo de riscos que têm assolado o sistema financeiro ao longo das duas últimas décadas. O ciclo vicioso de volatilidade dos fluxos de capital e de acumulação excessiva de auto-protecções só pode ser quebrado com um mecanismo bem definido para controlar os efeitos indirectos da política monetária.

 

Gene Frieda é estrategista global do Moore Europe Capital Management.

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2014.

www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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