Opinião
Europa crónica
O grande sucesso da Europa em 2012 foi o de evitar tornar-se noutro capítulo da história das uniões monetárias falhadas. As acções do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, evitaram o colapso do mercado e compraram tempo aos líderes europeus para realizarem reformas políticas e institucionais. Mas será que os líderes europeus escolheram novamente improvisar um plano, em vez de apostar numa estratégia resiliente?
Poucos previram o grau de comprometimento e integração que foi conseguido durante a fase aguda da crise financeira da Europa. Mecanismos de controlo que, teoricamente, violam a soberania, estão agora em vigor para os orçamentos nacionais e, em breve, para os 150 maiores bancos europeus. A criação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e do seu sucessor, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE) proporciona uma almofada financeira importante para os países mais pequenos, que estão a ser afectados por choques externos.
Mas a verdadeira viragem do jogo foi a criatividade do BCE na concepção de formas de prevenir a insolvência repentina de bancos e governos. Embora seja necessário quase um conhecimento militar para decorar todas as siglas criadas nos últimos três anos, a LTRO (operação de financiamento de longo prazo) e a OMT (transacções monetárias directas) serão lembradas como as bazucas gémeas do BCE.
No entanto, apesar de as bazucas poderem vencer batalhas, elas não ganham guerras. Isto é especialmente verdade no que diz respeito às finanças, porque os mercados, os políticos e os cidadãos adaptam-se às novas circunstâncias. O sucesso de 2012 foi o de pôr um fim à fase aguda da crise, mas as suas características crónicas persistem.
Naturalmente, os mercados de capitais reabriram-se para as grandes empresas e muitos bancos europeus. A Europa “está melhor” agora. Mas raramente é inteligente avaliar a saúde financeira pelos custos dos empréstimos, que podem mudar repentinamente. Juntamente com outros bancos centrais, o BCE garantiu que todas as dúvidas sobre solvência seriam temporariamente acalmadas por um tsunami de liquidez.
As decisões do Conselho Europeu de Dezembro definiram a visão delineada por Draghi no passado mês de Julho. Mas os líderes europeus rejeitaram a partilha de risco fiscal, ainda que limitada, na forma de contractos temporários de desemprego. A união bancária foi deixada como um banquinho com uma perna resistente (supervisão comum), um palito (resolução comum) e sem terceira perna (garantia de depósitos comum). Os países credores, para minimizar as suas perdas, estão a castrar o veículo mais importante para quebrar um ciclo vicioso entre soberanos e bancos – as recapitalizações bancárias directas com financiamento do MEE.
Os países europeus com menos risco ainda acreditam que uma união monetária só pode funcionar se cada membro se comprometer com políticas macroeconómicas responsáveis que evitem a acumulação de desequilíbrios. Este argumento tem uma lógica poderosa, uma vez que uma união em que os contribuintes de alguns estados pagam sempre pelos gastos perdulários dos outros não tem sustentação política.
Contudo, num mundo de fluxos de capital rápidos e livres, os líderes europeus falharam a tarefa de compreender que os mecanismos de controlo não conseguem impedir a acumulação de desequilíbrios. Afinal, uma das grandes conquistas da Europa tem sido a de unir países grandes e pequenos, ricos e pobres. Apesar das suas diferenças, estão todos sujeitos à mesma política monetária e, pelo menos de acordo com a visão actual, a políticas fiscais muito semelhantes (e rígidas).
Essa visão envolve minúsculas transferências fiscais para ajudar a atenuar os efeitos assimétricos de choques comuns. Em vez disso, um grupo de reguladores em Frankfurt e burocratas em Bruxelas vai tratar desses desequilíbrios antes que eles se tornem graves.
Para a periferia da Europa, esta visão minimalista de integração fiscal significa uma coisa: a dívida pública e privada terá de cair para níveis associados às economias com ‘rating’ AAA, porque o financiamento externo para desequilíbrios persistentes não pode ser assegurado. Mesmo que a política monetária continue a ser extremamente acomodatícia (apesar de ser demasiado frouxa para algumas das economias mais saudáveis), isto implica décadas de estagnação para a periferia e a transformação de um levado desemprego de longa duração numa geração perdida de jovens cronicamente desempregados.
As crises graves raramente produzem movimentos políticos com vista à mudança. Pelo contrário, o medo prevalece e o status quo – neste caso, a integração europeia – vence, como tem acontecido desde 2010 na Grécia, Espanha, Portugal, Irlanda e Países Baixos. Pelo contrário, é a fase crónica da crise que produzirá a mudança, com o medo a dar lugar à raiva, e a política a extremar-se.
O Japão pode parecer um contra-exemplo. Afinal, o país está numa situação crónica há quase um quarto de século, e demorou quase duas décadas a tirar o Partido Liberal Democrata do poder (e agora está de volta). Mas o declínio do PIB per capita do Japão tem sido gradual e, mais importante que isso, o desemprego tem-se mantido abaixo dos 5,5%, em comparação com a taxa de desemprego de quase 20% que se verifica nas cinco economias da periferia do euro mais atingidas pela crise.
Grande parte da culpa do mal-estar do Japão prende-se com a relutância dos seus políticos no início dos anos noventa em tratar de um sector bancário carregado com dívida ruinosa. A lição que se retira desta e de outras crises bancárias é que um diagnóstico e um tratamento rápidos são fundamentais para determinar se a saída de um país da fase aguda da crise conduz a uma prolongada fase crónica ou ao rápido retorno a um crescimento saudável. O Japão pode contar com seu grande stock de poupança das famílias para amortecer o ajustamento do sector empresarial e para financiar a despesa fiscal maciça, com a dívida do governo a rondar agora os 230% do PIB.
Esta estratégia não pode ser replicada na Europa. O ajustamento crónico não é sustentável, dadas as bolsas localizadas de desemprego de 20%, os recursos mínimos para a política fiscal para suavizar os ajustamentos, e o emprestador de último recurso que está limitado pelas preferências dos seus membros. Além disso, a Europa não tem a força social necessária para lidar com essa estratégia, devido à falta de homogeneidade cultural e à existência de populações imigrantes muitas vezes marginalizadas.
A prescrição é clara: corrigir o problema dos bancos, partilhar o fardo dos erros do passado entre os países, e substituir a OMT por uma bazuca equivalente, tornando o MEE num fundo de resgate que possa lidar com problemas grandes e pequenos. A mudança planeada para um regime de fiança para os credores privados e aceitação política de ‘default’ para soberanos errantes provavelmente vai acabar com a prodigalidade fiscal.
Mas a saga da Europa não vai acabar aqui. Tendo escapado à ira dos mercados, os políticos vão enfrentar agora a ira dos seus eleitores.
Gene Frieda é um estratega global da Moore Europe Capital Management.
Copyright: Project Syndicate, 2013.
Tradução: Rita Faria