Opinião
A América regressa a Cuba
O retomar das relações económicas entre os Estados Unidos e Cuba é um teste para ambos os países.
A visita de Barack Obama a Cuba é a primeira de um Presidente norte-americano desde Calvin Coolidge em 1928. Seguir-se-ão os investidores norte-americanos, os expatriados cubanos, os turistas, os académicos e os oportunistas. A normalização das relações bilaterais representa oportunidades e perigos para Cuba e é um enorme teste de maturidade para os Estados Unidos.
A revolução cubana liderada por Fidel Castro há 57 anos foi uma profunda afronta ao ego dos Estados Unidos. Desde a fundação dos Estados Unidos, os seus líderes reclamaram o direito ao excepcionalismo norte-americano. O modelo norte-americano é tão convincente, segundo os seus líderes, que todos os países decentes devem optar por segui-lo. Quando os governos estrangeiros são loucos a ponto de rejeitar a via norte-americana, devem esperar represálias por penalizar os interesses dos Estados Unidos (vistos como alinhados com os interesses universais) e ameaçar a segurança dos Estados Unidos.
Nas lutas que se seguiram, os Estados Unidos tomaram Guantánamo como base naval e reivindicaram (na hoje infame Emeda Platt) o direito futuro de intervir em Cuba. O general Fulgencio Batista, derrotado por Castro, foi o último de uma longa lista de líderes repressores colocado e mantido no poder pelos Estados Unidos.
Os Estados Unidos mantiveram Cuba sob a sua alçada e, de acordo com os interesses dos investidores norte-americanos, as exportações resumiram-se a pouco mais do que plantações de açúcar e tabaco na primeira metade do século XX. A revolução de Castro para derrubar Batista pretendia criar uma economia moderna e diversificada. Mas a falta de uma estratégia clara nunca permitiu que esse objectivo fosse alcançado.
A reforma agrária e as nacionalizações de Castro, iniciadas em 1959, alarmaram os interesses dos produtores de açúcar norte-americanos e levaram os Estados Unidos a introduzir novas restrições comerciais. Estas acabaram por converter-se em cortes nas licenças de exportação de açúcar para os Estados Unidos e num embargo nas exportações de petróleo e alimentos para Cuba. Quando Castro se virou para a União Soviética para preencher este vazio, o Presidente Dwight Eisenhower emitiu uma ordem secreta à CIA para derrubar o novo regime, levando à desastrosa invasão da Baía dos Porcos em 1961 nos primeiros meses da administração de John F. Kennedy.
Mais tarde, foi dada luz verde à CIA para assassinar Castro. Em 1962, o líder soviético Nikita Khrushchev decidiu impedir outra invasão norte-americana – e dar uma lição aos Estados Unidos – ao instalar mísseis nucleares em Cuba, desencadeando a crise dos mísseis de Outubro de 1962, que colocou o mundo à beira da destruição nuclear.
A deslumbrante contenção de Kennedy e Khrushchev, e uma boa dose de sorte, pouparam a humanidade. Os mísseis soviéticos foram retirados e os Estados Unidos prometeram não lançar outra invasão. Em vez disso, os Estados Unidos reforçaram o embargo comercial, exigiram a restituição das propriedades nacionalizadas e empurraram, irrevogavelmente, Cuba para os braços da União Soviética. A monocultura do açúcar permaneceu e a sua produção dirigia-se agora para a União Soviética e não para os Estados Unidos.
O meio século de uma economia ao estilo soviético, exacerbada pelo embargo comercial dos Estados Unidos e outras políticas relacionadas, teve um preço muito alto. Em paridade de poder de compra, o rendimento per capita cubano é um quinto do norte-americano. Ainda assim, Cuba alcançou bons resultados na melhoria da literacia e da saúde pública. A expectativa de vida é semelhante à da norte-americana e muito mais elevada do que na maioria dos países da América Latina. Nos últimos anos, os médicos cubanos tiveram um papel importante no controlo de doença em África.
A normalização das relações diplomáticas cria dois cenários muito diferentes para a relação entre os dois países. No primeiro, os Estados Unidos regressam aos maus hábitos do passado, e exigem a Cuba medidas draconianas em troca de relações económicas bilaterais "normais". O Congresso pode, por exemplo, exigir a restituição das propriedades nacionalizadas durante a revolução; o direito ilimitado dos norte-americanos adquirirem terra e outras propriedades; a privatização de empresas estatais a preços de saldo; e o fim de políticas sociais progressistas como o sistema de saúde pública. Neste caso, as coisas podem ficar feias.
No segundo cenário, que representa uma ruptura histórica com o passado, os Estados Unidos deveriam exercer o autocontrolo. Neste caso, o Congresso aprovaria o restabelecimento das relações comerciais com Cuba sem exigir que o país se reinvente à imagem dos Estados Unidos e sem forçar que reanalise as nacionalizações pós-revolução. Cuba não seria pressionada a abandonar um sistema de saúde apoiado pelo Estado ou a abrir o sector aos investidores privados norte-americanos. Os cubanos desejam uma relação de respeito mútuo, e receiam uma nova relação de subserviência.
Isto não quer dizer que o país deva ser lento a aplicar novas reformas. Cuba deve, rapidamente, tornar a sua moeda convertível para o comércio, alargar os direitos de propriedade e, com muito cuidado e transparência, privatizar algumas empresas.
Estas reformas, em conjunto com um investimento público robusto, podem acelerar o crescimento e a diversificação económica, protegendo, ao mesmo tempo, o que o país alcançou nas áreas da saúde, educação e serviços sociais. Cuba pode, e deve, ambicionar uma democracia social ao estilo da Costa Rica, e não um capitalismo cru como o norte-americano (Jeffrey D. Sachs defendeu algo semelhante para a Polónia há 25 anos: o país deve desejar uma democracia social ao estilo escandinavo, em vez de o neoliberalismo de Ronald Reagan e Margaret Thatcher).
O retomar das relações económicas entre os Estados Unidos e Cuba é assim um teste para ambos os países. Cuba precisa de reformas significativas para alcançar o seu potencial económico sem pôr em perigo os enormes progressos sociais. Os Estados Unidos necessitam de exercer um autocontrolo inédito que dê a Cuba o tempo e a liberdade de manobra de que o país precisa para criar uma economia moderna e diversificada, na sua maioria detida e gerida pelos próprios cubanos e não pelos seus vizinhos do Norte.
Jeffrey D. Sachs é director do Instituto da Terra da Universidade de Columbia. Hannah Sachs estuda História Cubana na Universidade de Yale.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2016.
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Tradução: Ana Luísa Marques