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01 de Janeiro de 2017 às 20:00

A complexidade da desigualdade

Se as causas e os impactos da desigualdade diferem de um país para outro, as prescrições políticas também devem ser diferentes.

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Desde 2013, quando Thomas Piketty publicou o seu muito discutido estudo sobre a distribuição de rendimento e riqueza, a desigualdade esteve na linha da frente do debate público na maioria das economias avançadas, tendo sido culpada por tudo, desde o crescimento lento e a estagnação da produtividade até à ascensão do populismo e o Brexit. Mas a desigualdade permanece mal definida, os seus efeitos altamente variáveis ??e as suas causas acaloradamente debatidas.

 

Mesmo a questão mais básica – que quantidade de desigualdade é excessiva - é praticamente impossível de responder. Não existe uma "taxa natural de desigualdade" que caracterize uma economia em equilíbrio, um nível a que os responsáveis políticos possam aspirar. Em vez disso, as taxas de desigualdade dos países são medidas umas contra as outras - uma abordagem estreita que ignora tudo, desde tendências económicas mais amplas até diferenças no impacto da desigualdade na distribuição da riqueza sobre populações em diferentes ambientes sociais.

 

Numa altura em que todos parecem reclamar da desigualdade, a riqueza está mais amplamente distribuída do que nunca, a nível global. Nos últimos 16 anos, o número de pessoas que se qualificam para a inclusão na classe média global - as pessoas com activos financeiros líquidos entre 7.000 e 42.000 euros – mais do que duplicou, para mais de mil milhões, ou cerca de 20% da população mundial.

 

E não é só a classe média que está a crescer. No final do ano passado, cerca de 540 milhões de pessoas em todo o mundo podiam contar-se entre os ricos, com um património líquido superior a 42.000 euros. Isso é cerca de 100 milhões, ou 25% mais do que em 2000.

 

A chave para este progresso tem sido o sucesso das economias emergentes, especialmente a China. E, de facto, muitos dos que se juntaram ao grupo de maior riqueza não são dos países "ricos" tradicionais; pelo contrário, os Estados Unidos, o Japão e a Europa Ocidental têm agora apenas 66% das famílias de maior riqueza no mundo, em comparação com mais de 90% em 2000.

 

A nível nacional, a desigualdade está a aumentar, mas apenas em alguns lugares. Nas economias emergentes, a proporção de riqueza pertencente à classe média está a aumentar, indicando uma queda na desigualdade de riqueza. É principalmente no mundo industrializado que a desigualdade está a crescer, com a proporção de riqueza mantida pelos 10% mais ricos a aumentar de forma mais acentuada.

 

Esta discrepância pode ser explicada, em parte, pelo facto de a crise financeira global ter sido mais dolorosa para os países avançados, especialmente na Europa. Mas as políticas monetárias expansionistas que os bancos centrais dos países avançados perseguiram após a crise agravaram a situação.

 

Essas políticas elevaram os preços dos activos - especialmente obrigações e acções - que eram detidos, em grande parte, por famílias ricas. Ao mesmo tempo, penalizam os aforradores da classe média, que normalmente dependem de instrumentos de poupança mais conservadores, como depósitos bancários. Com taxas de juro zero ou, mais tarde, negativas, esses aforradores perderam. Embora os agregados familiares médios estejam, de forma geral, a beneficiar de custos de empréstimos mais baixos, as famílias mais ricas estão a beneficiar muito mais, graças em parte às poupanças em empréstimos hipotecários, que são mais elevadas em relação ao rendimento para a classe média alta.

 

Mas o impacto da política monetária ultra expansionista estende-se muito além dos efeitos na riqueza e rendimento de hoje. Com as populações dos países avançados a envelhecer rapidamente, poupar para a velhice é mais importante do que nunca. Com as taxas de juro muito baixas a reduzirem a taxa de acumulação de activos de pensão, todos, excepto as famílias mais ricas, terão provavelmente que aumentar a poupança e/ou reduzir o consumo, agora e no futuro. O declínio nos gastos ao longo da vida acabará por ter um impacto negativo no crescimento e potencialmente gerar falhas sociais para as próximas gerações.

 

Para complicar ainda mais a narrativa da desigualdade, há as diferenças entre as economias individuais, incluindo entre aquelas que, tecnicamente, têm níveis semelhantes de desigualdade. Consideremos as disparidades entre os Estados Unidos, Dinamarca e Suécia - os três países estão entre as sociedades mais desiguais do mundo no que diz respeito à distribuição da riqueza.

 

A Dinamarca e a Suécia são conhecidas pelos seus sistemas de assistência social bem desenvolvidos, educação gratuita e elevada participação no mercado de trabalho. Além disso, a Dinamarca chegou ao primeiro lugar do ranking das nações Unidas dos países mais felizes do mundo, no ano passado, sugerindo que a desigualdade na riqueza não incomoda muito os dinamarqueses.

 

Pelo contrário, nos Estados Unidos, que carecem de muitas das protecções sociais fornecidas pelos seus homólogos do norte da Europa, a desigualdade é muito preocupante. O aumento da desigualdade na riqueza na última década tem sido o mais pronunciado de qualquer país. Hoje, os Estados Unidos têm a classe média mais pequena, detendo apenas 22% do total dos activos financeiros líquidos, metade da média dos outros países industrializados, e a maior concentração de riqueza.

 

Como na Europa ou no Japão, a crise financeira e a subsequente política monetária podem ser uma das principais causas deste desenvolvimento. No entanto, outro factor também poderá ser a revolução digital que, pelo menos para os principais protagonistas, está a tornar-se cada vez mais um "catalisador de riqueza". De qualquer forma, é importante reconhecer que a situação dos Estados Unidos é extraordinária. Não representa o estado do capitalismo ocidental. É a excepção, não a regra.

 

Tudo isto tem implicações importantes na forma de lidar com a desigualdade. Simplificando, se as causas e os impactos da desigualdade diferem de um país para outro, as prescrições políticas também devem ser diferentes.

 

Para alguns países, como os do sul da Europa, a luta contra o desemprego é fundamental para permitir que as famílias de rendimentos médios e baixos economizem e consumam. Outros países devem centrar-se na melhoria das condições de poupança a longo prazo, como por exemplo através de regimes profissionais de pensões. Outros fariam bem em reduzir a carga fiscal, especialmente para os assalariados de baixo e médio rendimento.

 

Há, no entanto, uma prescrição política que beneficiaria muitos dos países com os mais altos níveis de desigualdade. Os bancos centrais devem pôr um fim às taxas de juro zero e, especialmente, às taxas negativas. Fazer isso seria certamente um bom começo para combater a crescente desigualdade de riqueza.

 

Michael Heise é economista-chefe da Allianz SE.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.
www.project-syndicate.org
Tradução: Rita Faria

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