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22 de Setembro de 2016 às 20:30

Os custos inevitáveis do helicóptero do dinheiro

Se tudo [sobre o helicóptero do dinheiro] isto soa demasiado bom para ser verdade é porque é demasiado bom para ser verdade. Como disse certa vez Milton Friedman, em economia não há almoços grátis.

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O extenso debate em torno da conveniência do chamado helicóptero do dinheiro tem mudado, já que há novas ideias a emergir sobre a forma que deverá assumir – e surgem questões sobre se ele já não estará a ser usado em algumas economias. O que não mudou é que avançar com o helicóptero do dinheiro seria uma ideia muito má.

 

Segundo a perspectiva convencional, o helicóptero do dinheiro corresponde à distribuição de notas recentemente impressas que o banco central não inscreve nos activos ou nos passivos correspondentes no balanço. Este helicóptero pode existir na forma de transferências em numerário ou através da monetização de dívida pública. Em ambos os casos, estamos perante um prejuízo permanente para o banco central.

 

Na prática, o helicóptero do dinheiro parece-se muito com a flexibilização quantitativa – compras de activos públicos nos mercados secundários, por parte dos bancos centrais, para injectar liquidez no sistema bancário. A versão do helicóptero do dinheiro pode ser a aquisição de obrigações estatais a taxas de juro de zero que não vão ser reembolsadas ou porque são obrigações perpétuas ou porque vão ser reinvestidas sempre que atingirem a maturidade.

 

É o que o Banco do Japão está a fazer. O governador do Banco do Japão, Haruhiko Kuroda, afirmou que subscrever directamente o défice orçamental não é uma opção. Mesmo assim, iniciou uma política de substituição de obrigações públicas no balanço do Banco do Japão à medida que forem atingindo a maturidade, ao mesmo tempo que aumenta o volume de dívida pública nos livros do banco central.

 

Isto acontece anos depois de declarações de proeminentes economistas, incluindo Brad DeLong, de Berkeley, ou o antigo presidente da Reserva Federal norte-americana Ben Bernanke, em que defendiam que o helicóptero do dinheiro abre margem para superar a deflação (de que o Japão sofreu durante décadas). A ideia é que, ao monetizar o défice orçamental, o banco central ajuda o governo a financiar investimentos que favorecem o crescimento (por exemplo, em infra-estruturas), proporcionando também a liquidez necessária para contrariar as forças deflacionárias.

 

Se tudo isto soa demasiado bom para ser verdade é porque é demasiado bom para ser verdade. Como disse certa vez Milton Friedman, em economia não há almoços grátis.

 

Na verdade, há grandes factores de risco no helicóptero do dinheiro. O mais importante é que, ao permitir a monetização de quantidades ilimitadas de dívida pública, esta política pode minar a credibilidade das metas definidas pelas autoridades no que diz respeito à estabilidade do preço e a um sistema financeiro estável. Não é um risco. É uma certeza, como a experiência histórica com a economia de guerra (em que, a propósito, o Japão é um dos destaques) demostra muito claramente.

 

No início dos anos 30 do século passado, sob a tutela do ministro das Finanças Takahashi Korekiyo, o Japão executou despesas orçamentais financiadas por emissão de dinheiro, de modo a retirar a economia da deflação. Funcionou bem de mais e gerou uma poderosa onda de inflação. As tentativas de Korekiyo que se seguiram, para tentar controlar os défices públicos através da redução da despesa pública no sector militar, falharam. As forças armadas rebelaram-se e Korekiyo foi assassinado em 1936.

 

O colapso monetário da Alemanha depois da Segunda Guerra Mundial também resultou da emissão de obrigações de guerra para o povo alemão. Nos Estados Unidos, a impressão excessiva de dólares para financiar a guerra civil contribuiu para uma elevada inflação. A lista continua.

 

Alguns dos proponentes do helicóptero do dinheiro, como Adair Turner, antigo líder da Autoridade dos Serviços Financeiros do Reino Unido [FSA, na sigla original], defendem que este perigo pode ser neutralizado com regras claras para limitar o uso dos estímulos monetários e orçamentais. E, teoricamente, está correcto. Mas serão essas limitações politicamente realistas?

 

A verdade é que o banco central iria lutar para defender a sua independência uma vez que teria sido violado o tabu do financiamento monetário de dívida pública. As autoridades políticas fariam pressão sobre ele para continuar a financiar, de graça, o crescimento, particularmente na antecipação de eleições.

 

Mesmo que os bancos centrais mantenham a sua independência, é duvidoso que conseguissem dirigir a inflação de forma gradual até 2% e mantê-la por aí. Fornecer liquidez para estimular a inflação é muito mais fácil do que limitá-la de forma a impedir que o crescimento dos preços fique fora de controlo.

 

Conforme foi identificado por Friedman em 1969, o problema é que, enquanto gera mais procura na economia, o helicóptero do dinheiro não cria mais oferta. Assim, a continuada cedência do helicóptero do dinheiro depois de a economia ter já voltado à sua utilização de capacidade normal – o ponto em que a procura e a oferta estão em equilíbrio – vai fazer com que a inflação cresça.

 

As economias desenvolvidas não atingiram este ponto porque as consequências da crise financeira global de 2008 ainda estão a prejudicar a procura. Mas uma vez que a desalavancagem fique completa e o ciclo de crédito mude, a pressão inflacionista deverá reaparecer. E os esforços dos bancos centrais para abafá-la vão ter elevados custos, em termos de emprego e de crescimento, como aconteceu nos anos 80 e 90.

 

Mas mesmo que o crescimento da oferta se mantenha, digamos, por conta da China, mantendo baixos os preços dos bens transaccionáveis, o helicóptero do dinheiro teria maiores custos porque a dívida continuaria a crescer de modo mais acelerado do que o PIB nominal. No longo prazo, iria haver problemas de confiança no banco central, sobrecarregado com reclamações contra um Estado sobre-endividado, colocando em risco o sistema monetário fiduciário. A partir do momento em que os investidores começassem a retirar os seus activos para moedas mais estáveis, a divisa local iria depreciar e os preços das obrigações iriam colapsar.

 

Todas as formas de estímulos monetários – desde a flexibilização quantitativa às taxas de juro negativas – têm riscos. Mas o helicóptero do dinheiro é particularmente perigoso; na verdade, não há nenhum cenário realista em que tal política não dê mal.

 

É tempo de reconhecer, de uma vez por todas, que os governos, e não os bancos centrais, são responsáveis por gerar emprego e crescimento a longo prazo, ao assegurar condições de investimento favoráveis, um sistema de educação de alta qualidade e mercados abertos e competitivos. Os decisores políticos monetários deviam defender esta linha vermelha – o que significa manter os helicópteros em terra.

 

Michal Heise é economista-chefe da Allianz SE.

 

Copyright: Project Syndicate, 2016.?
www.project-syndicate.org
Tradução: Diogo Cavaleiro

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