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03 de Junho de 2015 às 20:00

Porque é que a Grécia é diferente?

As intermináveis negociações entre o novo governo grego e os credores internacionais – Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia – entraram numa fase perigosa. Neste ponto, um erro em qualquer dos lados ameaça desencadear o tipo de acidente que pode precipitar uma nova crise na Europa.

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O Fundo Monetário Internacional parece estar preparado para atirar a toalha ao chão – devido à recente informação de que a Grécia pode apresentar, este ano, um pequeno défice orçamental primário (défice que exclui o pagamento de juros) e não o planeado excedente. Mas, como a economia a cair novamente, o governo está convencido que o actual programa não está a funcionar – e que na ausência de ajustamentos nunca irá funcionar.

O elemento essencial do argumento grego para obter novas condições é que o país tem sido vítima de um excesso de austeridade – agravado pelo abrandamento económico. Mas este argumento esquece um facto crucial: a austeridade funcionou em outros países europeus. De facto, Portugal, Irlanda e Espanha e mesmo o Chipre estão a mostrar claros sinais de recuperação, com o desemprego, finalmente, a cair (apesar de continuar elevado e de estar a cair a um ritmo lento) e de terem conseguido restabelecer o acesso ao mercado de capitais.


Porque é que a Grécia é diferente?

A resposta curta são as exportações. Em todos os outros países atingidos pela crise (e na maioria dos países que, nas últimas décadas, receberam empréstimos do Fundo Monetário Internacional) a subida das exportações compensou, em parte, a queda que se registou na procura após os governos terem reduzido os gastos e aumentado os impostos para equilibrarem as suas contas.

Numa grande economia, onde o financiamento externo não é um problema, como os Estados Unidos ou a Zona Euro, tentar reduzir o défice orçamental pode levar a uma redução tão significativa da procura (e, consequentemente, das receitas fiscais) que a austeridade acaba por ser contraproducente. Mas este argumento não se aplica à Grécia.

A Grécia tinha enormes défices de conta corrente, que excediam 10% do produto interno bruto (PIB), quando o financiamento externo "secou" em 2008-2009, forçando a um ajustamento dos gastos internos. Se o governo grego não tivesse feito este ajustamento, a procura interna e o emprego teriam continuado a ser elevados – mas também teriam continuado elevadas as importações e os défices externos. Apesar de a austeridade ter provocado uma recessão profunda, também permitiu que o país não tivesse elevados défices externos, o que diminuiu a dimensão do resgate externo.

O desempenho das exportações é, assim, a chave para escapar à armadilha da austeridade. No caso da Grécia, o problema é que o fraco crescimento das exportações é, na sua maioria, ilusório, já que resulta, em grande parte, de produtos petrolíferos. Como a

Grécia não produz petróleo, as refinarias – que, actualmente, têm excesso de capacidade – estão a exportar petróleo importado numa forma ligeiramente diferente. Como as margens das refinarias são, em geral, inferiores a 5% a economia está a ganhar muito pouco com estas exportações. Outras exportações, como os metais, têm um problema muito semelhante.

Além disso, o maior exportador de serviços grego, o transporte marítimo, tem poucas ligações reais com a economia, já que as empresas do sector não pagam impostos e empregam poucos cidadãos gregos. A contribuição económica deste sector tem sido prejudicada pela queda dos preços das matérias-primas – preços de que dependem as tarifas de transportes. Entretanto, os produtos industriais, que acrescentam valor e emprego à economia do país, representam uma pequena parte das exportações totais da Grécia.

De facto, o comércio externo total da Grécia, se medido correctamente, representa apenas 12% do seu produto interno bruto (PIB), muito menos do que poderíamos esperar numa pequena economia. Mais chocante é o facto do défice comercial (incluindo bens e serviços) foi ainda maior em 2008, tendo representado 13% do PIB, o que implica que para evitar uma diminuição das importações e da procura interna, as exportações teriam mais do que duplicar.

Em Portugal, pelo contrário, o défice comercial representava, em 2008, cerca de um terço das exportações, o que significa que as exportações tiveram que aumentar em um terço para fechar o défice externo, sem reduzir as importações. Desde aí, Portugal aumentou as exportações em mais de um terço. Assim, e apesar de um ligeiro aumento das importações desde 2007, o país tem um excedente comercial.

O défice comercial grego caiu mas apenas porque as importações colapsaram. Entretanto, as exportações estagnaram, apesar de os salários terem caído mais de 20%. Este é o real problema da Grécia, não é a austeridade. Se as exportações gregas tivessem registado o mesmo crescimento das portuguesas (um país com uma dimensão e rendimento per capita semelhantes), o país não teria passado por uma recessão tão profunda, e as receitas fiscais teriam sido mais elevadas, sendo muito mais fácil alcançar um excedente orçamental primário.

Isto indica que uma combinação de consolidação orçamental, salários baixos e reformas orientadas para as exportações teriam permitido à Grécia seguir uma recuperação sustentável. Esta estratégia já foi tentada no passado, e só falhou uma vez, quando a Argentina entrou em incumprimento em 2002 e colocou um ponto final a uma década de paridade com o dólar norte-americano.

Infelizmente, a Grécia assemelha-se à Argentina em dois aspectos importantes. Os dois países têm um pequeno sector exportador, o que torna os ajustamentos externos muito mais difíceis; e ambos têm uma estrutura exportadora enviesada para as matérias-primas, cuja oferta é pouco provável que mude mesmo que os salários baixem ou sejam implementadas reformas estruturais.

Isto não significa que a Grécia esteja condenada a seguir os passos da Argentina em direcção ao incumprimento. Mas mostra os desafios que o país enfrenta actualmente – incluindo reconstruir o seu sector exportador desde o zero.

É hora do governo grego reconhecer este imperativo e ampliar o alcance das negociações com os credores para incluir, não apenas o orçamento, mas também estratégias de estímulo às exportações. Mas, primeiro, a Grécia deve, de uma vez por todas, reconhecer que a austeridade não é o inimigo.    

 

Daniel Gros é director do Centro de Estudos Políticos Europeus

 

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
T
radução: Ana Luísa Marques

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