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02 de Maio de 2011 às 11:40

Utopias e realidades

No seu artigo habitual das terças-feiras, publicado há semanas no "DN", Mário Soares advoga, como solução para reverter a crise, a mudança do actual modelo de desenvolvimento económico, defendendo o primado da política sobre a economia.

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Para justificar esta posição, aponta o fracasso de duas ideologias contrárias: o comunismo e o neoliberalismo. Para ele tudo se resume a uma questão de ética. E aponta como principais culpados da crise os políticos e economistas; sobretudo os "Madoffs", que ainda andam à solta na Europa.

Entende o antigo Presidente da República que se deve manter o progresso social (entenda-se, o "estado social"). Porém "com valores éticos estritos, que controle e regularize os mercados, acabando com os paraísos fiscais, as economias virtuais, as agências de 'rating' e todas as malfeitorias do género, punindo os responsáveis sem escrúpulos, políticos e económicos, que nos conduziram à crise em que nos encontramos."

Infelizmente esta economia de crise - que é, cada vez mais, uma economia de sobrevivência - depende pouco da política. Não se submete, nem se adapta, à ética de que fala Mário Soares. A economia global em funcionamento está apoiada num sistema complexo, que exige o crescimento contínuo da riqueza produzida, que obedece às leis de concorrência e de comércio livre, e que é regulado por uma "mão invisível" - expressa nos "mercados" e através deles. Reage mal à intervenção da política e dos políticos, sobretudo quando essa intervenção interfere com os desígnios da orientação da referida e omnipresente "mão invisível".

Convencionou-se, nos países mais desenvolvidos, que o "bom" sistema político deve assentar na livre escolha dos dirigentes, pelo voto dos eleitores. E atribuiu-se à democracia, à livre iniciativa e aos direitos do homem um valor de "per si". Estes são os princípios que prosperaram na América, o modelo que nos tem orientado e tem servido de exemplo. E que, durante muito tempo, se acreditou serem bastantes para garantir a estabilidade económica e a harmonia social, e eternizar o progresso.

Na Europa, berço da cultura ocidental, associaram-se à democracia os valores do cristianismo patentes nos partidos da democracia cristã. E associaram-se, noutro quadrante, os valores que emanaram da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade), estes últimos inspiradores dos movimentos que levaram ao socialismo e à social-democracia, conceitos que se mantiveram fluidos e flexíveis ao longo do século passado. Também as ideias de Marx ajudaram a criar um modelo alternativo, assente na rejeição do capitalismo, com valores inicialmente próximos da social-democracia, reivindicando uma "moral superior", e favorecendo o colectivo em detrimento do individual. Porém, no confronto com o sistema de livre iniciativa, o modelo falhou, no que respeita à capacidade de criar riqueza.

Estamos, pois, num ponto de viragem. O capitalismo deixou de ter futuro, por se ter esgotado a sua condição essencial, que é a exigência do crescimento contínuo. E porque mostrou ser um sistema cego, no que respeita à gestão dos recursos e dos desperdícios. O comunismo falhou também, e não terá, pelos menos nos tempos mais próximos, uma segunda oportunidade. Modernamente, os movimentos ecologistas, inspirados pela crença na viabilidade de um sistema de crescimento zero ("steady state economy"), aportaram um novo sistema de valores e um novo enquadramento político, e são, para muitos, a derradeira e a única solução. Mas ainda são apenas uma vaga esperança e ainda não mostraram que asseguram um modelo económico viável.

Mas voltemos a Mário Soares, que nos explica o porquê da crise: "Os governantes socialistas e os verdadeiros democratas-cristãos escasseiam. É, a meu ver, o que explica que os líderes europeus não tenham tido a coragem nem a vontade política para mudar de modelo económico". E acrescenta o seguinte aviso: "Ou se muda, ou a União Europeia entrará numa triste e irremediável decadência."

A minha conclusão é que a explicação e o aviso de Mário Soares são palavras de um político que deixou de acreditar nos políticos (e deste modo se renega a ele próprio!), e ainda não percebeu que o mundo está a mudar. É que já não é a Política nem a Economia que governam o mundo: é a Física, porque o planeta tem limites.



Presidente do Grupo Marktest, membro da ASPO Portugal
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