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28 de Fevereiro de 2011 às 11:32

As causas da revolta

A contextualização histórica das movimentações que ocorrem nalguns países árabes já foi feita - magistralmente, como o seu autor nos acostumou - no artigo do Público do passado dia 21 Fevereiro.

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Eduardo Lourenço evocou as cruzadas, lembrou Avicena e Averrois, para concluir que "o Islão não se converterá ao nosso modelo". E a essa análise não haverá muito a acrescentar.

Entretanto, andam os "media" entretidos e ocupados nas explicações políticas do fenómeno. Falam em democracia e defesa das liberdades, e até já idealizam cenários futuros com modelos de governação ocidentais, aplicados aos países em turbulência. Javier Solana, muito optimista, diz que "Israel não será mais a única democracia da região, e deverá adaptar-se para poder garantir, de outro modo, a sua segurança", palavras que Mário Soares aprova e considera sábias (DN 22.2). Porém os mais atentos, conhecedores das teias que ligam a Europa ao Norte de África, cientes do importante papel que a Líbia tem na produção de petróleo e gás natural, estão, sobretudo, preocupados com as consequências económicas da agitação que incendeia o mundo árabe. Pessoalmente, vejo nestes movimentos apenas um sintoma dos desequilíbrios que afectam o mundo inteiro, e observo estes fenómenos inseridos na lógica da rápida aproximação a uma fronteira, para lá da qual se criam entraves ao crescimento.

O que está a acontecer nestes países tem a ver com um sistema submetido a várias forças de pressão interiores. Sem possibilidade de expandir-se, estas pressões fazem-no "rebentar pelas costuras". Como força mais evidente temos a pressão demográfica. Veja-se o caso do Egipto, que duplicou a população nos trinta anos do regime de Hosni Mubarak. Passou de 40 para 80 milhões de habitantes. Isto produziu uma população urbana e extremamente jovem (31,5% tem menos de 15 anos, e apenas 5% tem mais de 65 anos). A manter-se a actual taxa de crescimento populacional (cerca de 2% ao ano), a população do Egipto voltará a duplicar até 2050. E os problemas actuais irão agravar-se, nomeadamente os alimentares, pois a terra arável, já escassa, vai continuar a ser ocupada por edifícios e outras estruturas, e sobrar menos para a agricultura. E, claro, o desemprego entre os jovens - que são já uma geração "net", cada vez mais cultos e informados - continuará a grassar.

É assim forçoso estabilizar a população nestes países. E isso tanto pode ser feito pela via do progresso, como pela via da pobreza. No primeiro e mais desejável caso, isso acontecerá quando os níveis de conforto contribuírem para a redução voluntária da natalidade, à semelhança do que se passa no Ocidente. No segundo caso, isso ocorrerá quando a pobreza, associada às carências alimentares, fizer baixar a esperança de vida e aumentar a taxa de mortalidade. A primeira via exige elevados recursos, que poderão (quase certo que não estarão!) não estar disponíveis. E a segunda, a da pobreza, menos desejável mas mais provável, terá consequências imprevisíveis. Uma delas é a pressão humana que se fará sentir - na verdade já se faz - nas fronteiras do Sul da Europa.

Outro factor presente no desequilíbrio do sistema tem a ver com as desigualdades sociais e com a pobreza, agravadas nos tempos que correm pela carência de recursos alimentares e pela dependência externa. A recente escalada dos preços de certos bens, (o trigo, o milho, o café, a soja, o algodão) provoca inflação e corrói o poder de compra. Ora a democracia é um regime que convive melhor com a abundância do que com a escassez. É difícil explicar a um povo que o poder lhe pertence e pedir-lhe votos, quando ele passa fome. O pão alimenta a democracia, mas a democracia não o gera, só por si.

Por fim, o petróleo, fonte da prosperidade de toda a região, produziu e ainda produz uma imensa riqueza, mas também acentuou distorções e fomentou a corrupção. O aumento do consumo interno de crude nestes países, associado a um tendencial esgotamento das jazidas, tem provocado a redução das exportações. Veja-se o caso do Egipto, um produtor médio, que de exportador (400 mil barris/dia nos anos 90) vai passar a importador, já em 2011.

O Islão não se converterá ao nosso modelo, pelas razões que aponta Eduardo Lourenço, mas não só. Estes problemas actuais são apenas sintoma de uma doença mais profunda, e continuarão, por muito tempo, a ocupar o nosso dia-a-dia. É que, num mundo global, uma perturbação num só lugar afectará todo o planeta.


Presidente do Grupo Marktest
Membro da ASPO-Portugal
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