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31 de Janeiro de 2011 às 11:47

A economia e a física

Para explicar a crise que nos afecta apontam os economistas várias razões

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Para explicar a crise que nos afecta apontam os economistas várias razões, quase sempre de origem financeira: a desregulamentação, a camuflagem de passivos pelos bancos, a interdependência internacional das economias, a má avaliação do risco, os "hedge funds" que miraculosamente transformam passivos sem valor em investimentos "seguros". E, sendo certo que cada uma destas explicações tem os seus méritos, são poucas as que relacionam a crise financeira com a questão energética e com a situação ambiental.

Num artigo recentemente publicado no "Daily News", Eric Zencey, um ensaísta americano focado nos problemas ambientais, chamou-me a atenção para as ideias sobre economia de Frederick Soddy (1877-1956), um famoso cientista inglês que foi prémio Nobel da Química, mas que se dedicou também ao estudo dos problemas económicos e às questões relacionadas com o dinheiro. E, porque o assunto é actual e está a ganhar um interesse renovado, vale a pena resumir o essencial desse artigo e revisitar o pensamento daquele cientista.

Frederick Soddy estabeleceu uma distinção entre riqueza, riqueza virtual e dívida. A riqueza real está irredutivelmente enraizada na realidade física. Por outro lado, o dinheiro que nós utilizamos não representa riqueza real, mas sim riqueza virtual - um símbolo que dá ao seu portador a crença na capacidade da economia permitir trocá-lo por riqueza real. A dívida (crédito), pelo contrário, é a crença que tem um possuidor de um título de dívida, na capacidade da economia produzir riqueza no futuro.

Os problemas surgem quando a riqueza, o dinheiro e a dívida não são mantidas numa relação adequada. A quantidade de riqueza que uma economia pode criar é inapelavelmente limitada por duas variáveis: dum lado, a quantidade de materiais de baixa entropia (entre os quais a energia) que podem ser extraídas do meio ambiente, de forma sustentável; doutro lado, a quantidade de efluentes de alta entropia dela resultantes (resíduos, poluentes, CO2) que os sistemas naturais, de forma também sustentável, podem absorver.

Só há duas maneiras de uma economia poder aumentar a taxa de criação de riqueza: ou processando um fluxo cada vez maior de matéria e energia, aumentando a pegada ecológica; ou melhorando a eficiência na utilização de um fluxo constante de materiais e de energia. Ambas estas formas de crescimento têm limites. Porque aumentar a pegada ecológica de uma economia, implica diminuir a capacidade de manter saudáveis os ecossistemas. É o caso da estabilidade climática, um bem actualmente em escassez crítica. E porque os ganhos de eficiência, quando se utiliza um fluxo constante de matéria ou energia, podem ser consideráveis. Mas a tendência será para se atingir um limite, a partir do qual passará a haverá retornos decrescentes dessa eficiência.

Assim, a criação de riqueza tem limitações físicas, definidas pela escassez energética, pelos limites do ecossistema, pelas leis da Física e da Termodinâmica, e pelas particularidades da tecnologia em uso. Mas a criação de dívida que resulta do crédito, sendo virtual, não tem limites. Pode crescer infinitamente, ainda que a taxa de juro necessite de ser ajustada.

Estas considerações levaram Soddy a esta conclusão incontestável: sempre que uma economia baseada na dívida - que é um título sobre a riqueza futura - permita a essa dívida crescer mais rapidamente do que a riqueza pode ser criada, uma tal economia tem necessidade estrutural de entrar em bancarrota ou incumprimento. A inflação pode fazer o seu trabalho e facilitar as coisas, diminuindo gradualmente a dívida. Mas isso é feito à custa da corrosão do poder de compra das unidades monetárias em que a dívida é denominada.

Estas ideias são perfeitamente actuais e aplicam-se ao mundo em que vivemos. Muito em particular ao nosso país, onde a evolução da criação de riqueza e o aumento da dívida parecem estar a seguir caminhos divergentes. E, parece-me ser a grande lição de Soddy, deve-se ajustar a dívida à capacidade de produzir riqueza no futuro, e não, ao contrário, deixar disparar a dívida na expectativa que ela, só por si, venha a gerar riqueza. Porque na convergência da dívida com a criação de riqueza está, acredito eu, a chave da solução dos nossos problemas financeiros.


Presidente do grupo Marktest, membro da Aspo Portugal
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