Opinião
Uma solução federal para a Palestina
No passado mês de Novembro, quando estive em Nova Iorque, fiquei instalado no mesmo hotel do primeiro-ministro israelita Binyamin Netanyahu.
Para responder às suas necessidades de segurança, o hotel foi transformado numa fortaleza, muito semelhante ao próprio Estado de Israel.
Netanyahu esteve em Nova Iorque para outra ronda das negociações de paz para o Médio Oriente. Os Estados Unidos oferecem diversos incentivos para que Israel interrompa por mais 90 dias a construção de colonatos na Cisjordânia. Os israelitas recusaram e chegou-se a um novo impasse.
Quais são, assim, as perspectivas de uma paz negociada entre dois povos que reclamam o mesmo território?
A resposta é: muito pobres. Desde os acordos de Oslo de 1993 que todos os esforços de paz se baseiam numa “solução de dois estados”, na qual, é suposto, Israel devolver os territórios ocupados para um Estados palestiniano e os palestinianos renunciarem a qualquer reivindicação sobre o Estado de Israel e todos viverem felizes para sempre.
A solução de um “território para a paz” continua a ser a doutrina oficial do Ocidente. Num discurso recente, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, afirmou que “uma paz justa, duradoura e total” tem que basear-se na fórmula “dois Estados para dois povos”.
Entretanto, as principais partes em disputa, Palestina e Israel, procuram alternativas unilaterais ao “processo de paz”. Os Palestinianos exigem o reconhecimento internacional da sua condição de Estado, enquanto os Israelitas usam a sua política de colonatos para impedirem um Estado palestiniano.
O presidente palestiniano Mahmoud Abbas afirmou que se as últimas negociações de paz falharem vai pressionar as Nações Unidas a reconhecerem o Estado palestiniano com base nas fronteiras de 1967. Este mês, o Brasil e a Argentina reconheceram a “Palestina” e mais países da América devem, brevemente, fazer o mesmo.
As atenções de Mahmoud Abbas estão agora viradas para a Europa. O Presidente palestiniano poderá pedir à Turquia que sirva de mediador. O objectivo é usar o reconhecimento internacional de um Estado palestiniano independente para pressionar os Estados Unidos a retirarem o seu apoio quase incondicional às políticas de Israel. A principal preocupação de Israel continua a ser a segurança. A doutrina oficial do Ocidente é que a segurança de longo prazo de Israel depende do sucesso do “processo de paz”. Na prática, Israel tem tomado outras medidas para assegurar o seu futuro. A atenção mediática tem estado focado no “muro de segurança”, que certamente conseguiu reduzir o nível de violência.
Mas para os falcões que actualmente controlam a política de Israel, a segurança de Israel passa por um aumento da defesa, para qual é indispensável a expansão dos colonatos. A receita dos falcões para a sobrevivência passa por manter o apoio económico e militar dos Estados Unidos; manter as fronteiras defensivas através de um programa estratégico de colonatos e dividir a Cisjordânia em áreas separadas ou autoridades subordinadas, incapazes de representar uma oposição concertada à política de Israel.
Assim, enquanto Abbas procura criar uma nova “realidade no terreno” conseguindo o apoio internacional para o Estado palestiniano, Israel tenta vencê-lo fazendo com que esse Estado seja inviável.
A alternativa ideal para ambas as estratégias é um processo de paz que não tente criar dois Estados mas, em vez disso, procure estabelecer a bases económicas e políticas para um único Estado federal. Na verdade, a solução de dois Estados sempre foi uma ilusão. Nunca houve terra suficiente para satisfazer a possessividade apaixonada de todos o que a reclamam. E, com o tempo, a retirada israelita da Cisjordânia ou de Jerusalém Oriental tornou-se tão impossível como qualquer tentativa por parte de Israel de expulsar os árabes que ainda aí permanecem.
Os judeus israelitas querem permanecer na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental e os árabes israelitas querem ficar em Israel. Estes são os “factos do terreno” que condenam ao fracasso as esperanças palestinianas de um estado soberano palestiniano e as esperanças israelitas de conseguir um estado totalmente judeu.
Além disso, a fórmula de território por paz nunca fez sentido do ponto de vista económico. Se a compensação pelos males cometidos aos palestinianos fosse o princípio orientador, haveria formas melhores de o fazer do que fundar um novo país precário, marcado pela pobreza e dependente da ajuda externa.
Muitas pessoas já esqueceram que os Protocolos de Paris, definidos em Abril de 1994, estabeleceram uma união aduaneira entre Israel e os territórios ocupados, com um Conselho Económico conjunto que tinha como função resolver disputas comerciais. O livre movimento de bens, trabalho e capital entre as duas partes poderia ter representado um enorme impulso económico para o produto interno bruto palestiniano.
Poderia também ter sido a base de um estado federal, na qual a parte palestiniana teria beneficiado da produtividade e dos impostos dos colonos da Cisjordânia. Mas esta perspectiva benéfica foi minada pela violência necessária para manter o Estado de Israel e permitir o surgimento de outro palestiniano.
A opinião oficial continua a ser a de que apenas uma solução de dois Estados internacionalmente reconhecidos pode garantir a segurança necessária para reanimar a economia dos territórios palestinianos. Mas é possível que política unilateral de Israel, implicitamente apoiada pelos Estados Unidos, crie condições temporárias de paz que sejam suficientes para que o crescimento económico abrande o nacionalismo palestiniano.
A causa palestiniana não é a principal preocupação nem sequer dos Estados árabes. Assim a estratégia de defesa de Netanyahu tem mais hipóteses de sucesso, do que a tentativa de Abbas de obter o reconhecimento internacional de condição de Estado. O projecto de Netanyahu não é moral. Mas isso não significa que não resulte, pelo menos, por um tempo.
Robert Skidelsky, membro do British House of Lords, é professor emérito de Economia Política na Universidade Warwick, autor de uma biografia premiada do economista John Maynard Keynes, e membro do conselho da Moscow School of Political Studies.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/skidelsky36.mp3
Netanyahu esteve em Nova Iorque para outra ronda das negociações de paz para o Médio Oriente. Os Estados Unidos oferecem diversos incentivos para que Israel interrompa por mais 90 dias a construção de colonatos na Cisjordânia. Os israelitas recusaram e chegou-se a um novo impasse.
A resposta é: muito pobres. Desde os acordos de Oslo de 1993 que todos os esforços de paz se baseiam numa “solução de dois estados”, na qual, é suposto, Israel devolver os territórios ocupados para um Estados palestiniano e os palestinianos renunciarem a qualquer reivindicação sobre o Estado de Israel e todos viverem felizes para sempre.
A solução de um “território para a paz” continua a ser a doutrina oficial do Ocidente. Num discurso recente, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, afirmou que “uma paz justa, duradoura e total” tem que basear-se na fórmula “dois Estados para dois povos”.
Entretanto, as principais partes em disputa, Palestina e Israel, procuram alternativas unilaterais ao “processo de paz”. Os Palestinianos exigem o reconhecimento internacional da sua condição de Estado, enquanto os Israelitas usam a sua política de colonatos para impedirem um Estado palestiniano.
O presidente palestiniano Mahmoud Abbas afirmou que se as últimas negociações de paz falharem vai pressionar as Nações Unidas a reconhecerem o Estado palestiniano com base nas fronteiras de 1967. Este mês, o Brasil e a Argentina reconheceram a “Palestina” e mais países da América devem, brevemente, fazer o mesmo.
As atenções de Mahmoud Abbas estão agora viradas para a Europa. O Presidente palestiniano poderá pedir à Turquia que sirva de mediador. O objectivo é usar o reconhecimento internacional de um Estado palestiniano independente para pressionar os Estados Unidos a retirarem o seu apoio quase incondicional às políticas de Israel. A principal preocupação de Israel continua a ser a segurança. A doutrina oficial do Ocidente é que a segurança de longo prazo de Israel depende do sucesso do “processo de paz”. Na prática, Israel tem tomado outras medidas para assegurar o seu futuro. A atenção mediática tem estado focado no “muro de segurança”, que certamente conseguiu reduzir o nível de violência.
Mas para os falcões que actualmente controlam a política de Israel, a segurança de Israel passa por um aumento da defesa, para qual é indispensável a expansão dos colonatos. A receita dos falcões para a sobrevivência passa por manter o apoio económico e militar dos Estados Unidos; manter as fronteiras defensivas através de um programa estratégico de colonatos e dividir a Cisjordânia em áreas separadas ou autoridades subordinadas, incapazes de representar uma oposição concertada à política de Israel.
Assim, enquanto Abbas procura criar uma nova “realidade no terreno” conseguindo o apoio internacional para o Estado palestiniano, Israel tenta vencê-lo fazendo com que esse Estado seja inviável.
A alternativa ideal para ambas as estratégias é um processo de paz que não tente criar dois Estados mas, em vez disso, procure estabelecer a bases económicas e políticas para um único Estado federal. Na verdade, a solução de dois Estados sempre foi uma ilusão. Nunca houve terra suficiente para satisfazer a possessividade apaixonada de todos o que a reclamam. E, com o tempo, a retirada israelita da Cisjordânia ou de Jerusalém Oriental tornou-se tão impossível como qualquer tentativa por parte de Israel de expulsar os árabes que ainda aí permanecem.
Os judeus israelitas querem permanecer na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental e os árabes israelitas querem ficar em Israel. Estes são os “factos do terreno” que condenam ao fracasso as esperanças palestinianas de um estado soberano palestiniano e as esperanças israelitas de conseguir um estado totalmente judeu.
Além disso, a fórmula de território por paz nunca fez sentido do ponto de vista económico. Se a compensação pelos males cometidos aos palestinianos fosse o princípio orientador, haveria formas melhores de o fazer do que fundar um novo país precário, marcado pela pobreza e dependente da ajuda externa.
Muitas pessoas já esqueceram que os Protocolos de Paris, definidos em Abril de 1994, estabeleceram uma união aduaneira entre Israel e os territórios ocupados, com um Conselho Económico conjunto que tinha como função resolver disputas comerciais. O livre movimento de bens, trabalho e capital entre as duas partes poderia ter representado um enorme impulso económico para o produto interno bruto palestiniano.
Poderia também ter sido a base de um estado federal, na qual a parte palestiniana teria beneficiado da produtividade e dos impostos dos colonos da Cisjordânia. Mas esta perspectiva benéfica foi minada pela violência necessária para manter o Estado de Israel e permitir o surgimento de outro palestiniano.
A opinião oficial continua a ser a de que apenas uma solução de dois Estados internacionalmente reconhecidos pode garantir a segurança necessária para reanimar a economia dos territórios palestinianos. Mas é possível que política unilateral de Israel, implicitamente apoiada pelos Estados Unidos, crie condições temporárias de paz que sejam suficientes para que o crescimento económico abrande o nacionalismo palestiniano.
A causa palestiniana não é a principal preocupação nem sequer dos Estados árabes. Assim a estratégia de defesa de Netanyahu tem mais hipóteses de sucesso, do que a tentativa de Abbas de obter o reconhecimento internacional de condição de Estado. O projecto de Netanyahu não é moral. Mas isso não significa que não resulte, pelo menos, por um tempo.
Robert Skidelsky, membro do British House of Lords, é professor emérito de Economia Política na Universidade Warwick, autor de uma biografia premiada do economista John Maynard Keynes, e membro do conselho da Moscow School of Political Studies.
Direitos de Autor: Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
For a podcast of this commentary in English, please use this link:
http://media.blubrry.com/ps/media.libsyn.com/media/ps/skidelsky36.mp3
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