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Uma questão de classe

Foi a selvajaria, a desregulação, a bagunça completa, que deixou a imagem da construção de rastos. E, um sector com quase 40 mil empresas, deixado ao “Deus dará”, sem qualquer mecanismo regulador público, transforma-se num viveiro de gente sem escrúpulos.

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Em duas coisas o sector da construção e do imobiliário está à frente de todos os outros. Uma é no número de empresas registadas, com cerca de 40 mil. Outra é na falta de prestígio, na fama que carregam.

“Patos bravos”, todos uns corruptos, não pagam impostos, os principais financiadores secretos dos partidos, etc, etc, etc. São mimos como estes que os empresários do sector são rotulados pela “vox populi”. E isto não acontece por acaso. É o exemplo mais grave que, à nossa escala, temos do que pode acontecer devido à ausência de Estado.

Porque, foi a selvajaria, foi a desregulação, foi a bagunça completa, que deixaram a imagem da construção de rastos. E, um sector com quase 40 mil empresas, deixado ao “Deus dará”, sem qualquer mecanismo regulador público, como é evidente, transforma-se facilmente num viveiro de gente sem escrúpulos. Aqui e em qualquer parte do mundo.

Por isso, já é uma agradável novidade saber que existe uma entidade reguladora em Portugal e que ela está a mexer na chafurdice instalada. E melhor fica, quando o seu presidente revela a determinação de desenvolver o seu trabalho até ao fim: ontem, mais de 20 empresas foram notificadas e estão impedidas de concorrer a empreitadas superiores as 13,5 milhões de euros.

Sanções com esta violência não se vêem com frequência em Portugal. Nem noutros sectores, onde o quadro regulatório existe há mais tempo e onde a lei muitas vezes custa a “pegar” ou, como sucedeu nas telecomunicações, até é sistematica e ostensivamente desrespeitada pelos operadores.

A outra agradável notícia é ver que, ao contrário dos preconceitos instalados, as associações que representam as empresas do sector até apoiam este processo de purga.

Apertar os critérios de atribuição e renovação de alvarás, penalizar sem contemplações as que não cumprem a lei, fiscalizar os indecentes que exploram trabalho clandestino e não cumprem normas mínimas de segurança – tudo isto, é um desiderato da entidade reguladora, mas sobretudo um imperativo para a “parte séria” do sector.

As piores suspeições existem e existirão sempre num sector cujo maior cliente é o Estado, incluindo as autarquias, os institutos públicos ou as empresas estatais donas de infra-estuturas. Mas, deixando o regulador actuar, cortando as mãos criminosas, castigando os prevaricadores, e o sector da construção e obras públicas vai adaptar a imagem da “mulher de César”: não basta parecer sério, é preciso sê-lo efectivamente.

Estando de acordo nas questões éticas e morais, fica a discórdia nos problemas de mercado. Hoje, os grandes construtores reagem contra a falta de flexibilidade e contra a legislação que desincentiva a concentração. Pedem a criação da classe 10, para grandes obras acima dos 30 milhões de euros. O regulador prefere fazer a “limpeza” da classe 9.

De uma forma ou de outra, algo tem de acontecer, porque é ridículo, num país com a dimensão do nosso, num sector onde os cinco maiores grupos todos juntos facturam um terço do maior grupo espanhol, que resultará da fusão ACS/Dragados, ter 107 empresas na “primeira divisão”. Vinte foram despromovidas. Faltam mais algumas. Pr’aí 80.

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