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Uma oportunidade única

Logo à entrada estendiam-se longos corredores repletos de irrequietos grupos jovens e suas pequenas máquinas habilidosas. Depois subia-se ao último piso onde dezenas de adolescentes rodeavam uma improvisada arena.

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Aí desfilavam bonecos robóticos, com as mais bizarras formas e composturas, que ao som de música reproduziam algo desajeitadas coreografias. No final e independentemente do talento exibido uma enorme salva de palmas e gritaria ecoava por todo o complexo universitário. Para material mais substancial devia então descer-se à cave, onde na garagem se tinham instalado os robôs jogadores de futebol e também aqueles que darão origem a veículos autónomos. Professores e estudantes alinhados por equipas em representação das respectivas universidades, competiam por uma taça kitsch. Mas, mais do marcar golos ou ser capaz de circular numa improvisada e sinuosa estrada, tratava-se de testar a eficácia de máquinas dotadas de autonomia e inteligência. Enquanto no anfiteatro se discutia robótica cooperativa, inteligência artificial ou a chamada inteligência de enxame.

Isto não aconteceu nos Estados Unidos, na Alemanha ou no Japão. Mas por cá, mais concretamente em Coimbra onde decorreu o V Festival Nacional de Robótica.

A descrição que fiz a voo de pássaro merece melhor atenção. Num país em que é tão apregoada a falta de interesse dos jovens pelos estudos e em particular pela matemática, fica por esclarecer se a falta de motivação é, digamos assim, genética, ou pelo contrário resulta de uma errada abordagem do ensino. De facto, na robótica, reúnem-se algumas das características essenciais da investigação e inovação do nosso tempo. Forte base teórica, com destaque para a matemática, saber partilhado e multidisciplinar, interacção de conhecimentos e aptidões distintas e, acima de tudo, forte componente experimental. Sendo provavelmente este último aspecto que tanto atraí os mais jovens no seu natural fascínio pela construção e recombinação de máquinas e coisas em geral. Um ensino que não tem uma forte componente experimental é objectivamente chato e desmotivador. Talvez isso justifique em parte o fracasso do nosso sistema educativo.

Mas para lá do potencial de atracção jovem, a robótica portuguesa é já uma realidade adulta. Não somos só bons no Robocup, o torneio internacional de futebol robótico, onde temos ganho vários prémios. Na verdade o que se faz actualmente em Portugal neste domínio não é distinto do que acontece nos países tecnologicamente mais avançados do globo. Trata-se de um saber recente onde todos trabalhamos com as mesmas ferramentas e capacidades.

Acontece por outro lado encontrar-se a robótica naquele ponto de viragem em que de um estado algo incipiente e quase caricato, emergirá uma explosão de saberes e aplicações. A robótica acha-se hoje no mesmo plano em que a Internet se encontrava nos anos oitenta. Poucos sabiam o que era, muitos vaticinavam o pouco interesse da coisa e só uns quantos compreendiam o seu enorme potencial. Nunca é demais recordar que os principais pensadores da época, tanto na filosofia quanto na cultura, política ou economia, não previram o enorme impacto social, cultural e económico que a Internet viria a ter. E muitos, em particular no campo das humanidades, continuam a não o compreender.

Não é preciso ser vidente para perceber que a robótica é o próximo grande choque tecnológico. Em breve veremos surgir aplicações em praticamente todos os domínios, da indústria, onde ainda estamos na robótica mecânica e estúpida, aos lares, espaço urbano, medicina, agricultura, segurança, entretenimento, exploração espacial, etc... Depressa o nosso mundo será também o de robôs inteligentes que connosco partilharão vida e tarefas.

É por isso que tenho vindo a insistir na enorme oportunidade que a robótica representa para o nosso país. Não basta queixarmo-nos da falência de uma economia assente na mão-de-obra barata. Investidores e poderes públicos têm aqui uma oportunidade única. Sob risco de dentro de poucos anos, por falta de visão e investimento, mais uma vez nos vermos condenados a um papel de importadores, quando podíamos ser participantes activos e exportadores.

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