Opinião
Um livro e dois amigos queridos
Estou a ler, com vagaroso cuidado, um belo livro de crónicas, que constitui uma espécie de relato da nossa história próxima recente. Título: "Crónica do País Relativo – Portugal, minha Questão", e leva o nome de um dos grandes jornalistas, Fernando Paulouro das Neves, director do "Jornal do Fundão", que continuou, melhorando-o, o legado de seu tio, António Paulouro, o qual fez daquele semanário um motivo de orgulho de todos os profissionais e uma honra da Imprensa.
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Estou a ler, com vagaroso cuidado, um belo livro de crónicas, que constitui uma espécie de relato da nossa história próxima recente. Título: "Crónica do País Relativo – Portugal, minha Questão", e leva o nome de um dos grandes jornalistas, Fernando Paulouro das Neves, director do "Jornal do Fundão", que continuou, melhorando-o, o legado de seu tio, António Paulouro, o qual fez daquele semanário um motivo de orgulho de todos os profissionais e uma honra da Imprensa.
Mantenho, com Fernando Paulouro, como tive com António Paulouro, uma profunda relação de estima, consideração e de amizade. Nunca é demais que o repita, orgulho-me de colaborar, há mais de cinquenta anos, naquelas páginas acolhedoras e generosas. Nenhum jornal português tem, no seu armorial, o privilégio de recolher textos de Redol, Cardoso Pires, Herberto Hélder, Vítor Silva Tavares, Saramago, Namora, a lista é infindável e impressionante pela qualidade pela diversidade.
Fernando começou a batucar prosa naquelas colunas, chegou a chefe da Redacção e, finalmente, a director. Possui o gosto da escrita, o prazer da leitura e do fascínio que as palavras exercem sobre quem merece. Este volume é a prova provada, se fosse preciso, da grandeza e do imenso talento literário deste jornalista incomum. Um estendal de situações, de rostos, de factos e de histórias que formam a nossa História próxima. O idioma é de primeira água e estabelece a clareza e a profundidade do raciocínio com o imediato sentido das coisas. A proporção, o "mot juste", o lançamento da locução, o conhecimento do ritmo das frases, a harmonia e a música que só os grandes textos contêm estão, nas páginas deste livro, amplamente demonstrados. Um grande moderno com um belo perfume de grande clássico.
Fernando Paulouro das Neves pertence à velha escola da reportagem e, nele, a observação do pormenor, e fixação do momento exacto, o registo do gesto são o edifício que prossegue uma escola de jornalismo que praticamente se perdeu, em nome de uma falaciosa "distanciação", e que nada tem a ver com a herança cultural, estética e ética estatuída e corajosamente defendida por jornalistas da envergadura de Ramalho Ortigão, Rodrigues Sampaio, Norberto Lopes e Norberto de Araújo, Rocha Júnior e Artur Inez, Julião Quintinha, Jacinto Baptista, José de Freitas, e Mário Neves. Este último está citado em todas as histórias da Guerra Civil de Espanha como o comovido e comovente narrador da chacina na praça de touros de Badajoz, ordenada por Franco. José de Freitas, esse, foi o primeiro jornalista do mundo a anunciar, em 1964, que a China dispunha da bomba atómica. O Fernando pertence a esta estirpe, e no "Jornal do Fundão", iça a bandeira da coragem e da honra sem pedir ou desejar outras honrarias senão a felicidade de ter cumprido um destino.
Nesta baderna imoral onde se tem atolado o jornalismo português, ler, ou reler, "Crónica do País Relativo" é um estímulo, um incitamento e uma exigência. Serve para os mais velhos de nós, que se relaxaram com a negligência das rotinas; e para os mais novos. Como diria Acúrsio Pereira, o lendário chefe de Redacção de "O Século", há livros "para ler, reler e, caso assim for, para copiar." Este, é um deles. Para que o silêncio o não envolva; para que haja jornais que a ele se refiram, aqui o indico e engrandeço. Há mais vida para lá do futebol!
Um grande e rijo abraço, velho camarada e amigo!
Um homem que nunca desistiu
Manuel Tainha, que faleceu há dias, com 90 anos, foi não só um dos maiores arquitectos portugueses como um perfeito homem de bem. A sua generosidade era lendária, assim como o rigor e a paixão que colocava em tudo quanto fazia. No meu tempo de rapaz, nas tertúlias que formaram os melhores de nós, frequentei, no Chiado, gente da grandeza do Tainha. E com o Tainha cimentei uma amizade, alargada por cinquenta anos. Jornalistas, escritores, cineastas, pintores, actores reuniam-se na felicidade sem preço de ouvir os outros, para lhes aprender e seguir o exemplo. O Manuel Tainha era um deles. Volumoso, enorme, espadaúdo, modesto, reservado e discreto, o seu talento tinha as dimensões da sua estatura. Como escreveu o "Público", era um artista contra a barbárie, tomando como princípio, que eu defendo, que a arquitectura é, também, uma arte. Manuel Tainha esteve sempre onde foi preciso estar, e talvez tenha pago por isso. Nunca desistiu. E foi confortador e emocionante ver o numerosíssimo grupo de pessoas, de todas as profissões e ofícios, presentes no seu velório.
b.bastos@netcabo.pt
Estou a ler, com vagaroso cuidado, um belo livro de crónicas, que constitui uma espécie de relato da nossa história próxima recente. Título: "Crónica do País Relativo – Portugal, minha Questão", e leva o nome de um dos grandes jornalistas, Fernando Paulouro das Neves, director do "Jornal do Fundão", que continuou, melhorando-o, o legado de seu tio, António Paulouro, o qual fez daquele semanário um motivo de orgulho de todos os profissionais e uma honra da Imprensa.
Fernando começou a batucar prosa naquelas colunas, chegou a chefe da Redacção e, finalmente, a director. Possui o gosto da escrita, o prazer da leitura e do fascínio que as palavras exercem sobre quem merece. Este volume é a prova provada, se fosse preciso, da grandeza e do imenso talento literário deste jornalista incomum. Um estendal de situações, de rostos, de factos e de histórias que formam a nossa História próxima. O idioma é de primeira água e estabelece a clareza e a profundidade do raciocínio com o imediato sentido das coisas. A proporção, o "mot juste", o lançamento da locução, o conhecimento do ritmo das frases, a harmonia e a música que só os grandes textos contêm estão, nas páginas deste livro, amplamente demonstrados. Um grande moderno com um belo perfume de grande clássico.
Fernando Paulouro das Neves pertence à velha escola da reportagem e, nele, a observação do pormenor, e fixação do momento exacto, o registo do gesto são o edifício que prossegue uma escola de jornalismo que praticamente se perdeu, em nome de uma falaciosa "distanciação", e que nada tem a ver com a herança cultural, estética e ética estatuída e corajosamente defendida por jornalistas da envergadura de Ramalho Ortigão, Rodrigues Sampaio, Norberto Lopes e Norberto de Araújo, Rocha Júnior e Artur Inez, Julião Quintinha, Jacinto Baptista, José de Freitas, e Mário Neves. Este último está citado em todas as histórias da Guerra Civil de Espanha como o comovido e comovente narrador da chacina na praça de touros de Badajoz, ordenada por Franco. José de Freitas, esse, foi o primeiro jornalista do mundo a anunciar, em 1964, que a China dispunha da bomba atómica. O Fernando pertence a esta estirpe, e no "Jornal do Fundão", iça a bandeira da coragem e da honra sem pedir ou desejar outras honrarias senão a felicidade de ter cumprido um destino.
Nesta baderna imoral onde se tem atolado o jornalismo português, ler, ou reler, "Crónica do País Relativo" é um estímulo, um incitamento e uma exigência. Serve para os mais velhos de nós, que se relaxaram com a negligência das rotinas; e para os mais novos. Como diria Acúrsio Pereira, o lendário chefe de Redacção de "O Século", há livros "para ler, reler e, caso assim for, para copiar." Este, é um deles. Para que o silêncio o não envolva; para que haja jornais que a ele se refiram, aqui o indico e engrandeço. Há mais vida para lá do futebol!
Um grande e rijo abraço, velho camarada e amigo!
Um homem que nunca desistiu
Manuel Tainha, que faleceu há dias, com 90 anos, foi não só um dos maiores arquitectos portugueses como um perfeito homem de bem. A sua generosidade era lendária, assim como o rigor e a paixão que colocava em tudo quanto fazia. No meu tempo de rapaz, nas tertúlias que formaram os melhores de nós, frequentei, no Chiado, gente da grandeza do Tainha. E com o Tainha cimentei uma amizade, alargada por cinquenta anos. Jornalistas, escritores, cineastas, pintores, actores reuniam-se na felicidade sem preço de ouvir os outros, para lhes aprender e seguir o exemplo. O Manuel Tainha era um deles. Volumoso, enorme, espadaúdo, modesto, reservado e discreto, o seu talento tinha as dimensões da sua estatura. Como escreveu o "Público", era um artista contra a barbárie, tomando como princípio, que eu defendo, que a arquitectura é, também, uma arte. Manuel Tainha esteve sempre onde foi preciso estar, e talvez tenha pago por isso. Nunca desistiu. E foi confortador e emocionante ver o numerosíssimo grupo de pessoas, de todas as profissões e ofícios, presentes no seu velório.
b.bastos@netcabo.pt
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