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Sócrates e a Direita

Qual a validade dos congressos partidários, quando os resultados finais são negociados, antecipadamente, através de compromissos do «aparelho»?

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O que está a acontecer, com as movimentações para a eleição de secretário-geral do PS, faz pensar naquilo que se entende por aproximação à realidade sem, rigorosamente, se esperar atingi-la.

Nesta lógica do absurdo, o próximo congresso dos socialistas vai chegar a uma conclusão pre-estabelecida porque minuciosamente organizada: José Sócrates será entronizado e aureolado com um diadema de rosas - de um vermelho muito esmaecido.

Honestamente, o engenheiro da Beira não oculta que é «moderado», e que o princípio ideológico pelo qual se embala é o do «socialismo moderno», singularidade anteriormente defendida por Blair e por Guterres, e cujas características os acontecimentos explicaram não possuir qualquer sentido nem consistência. Sócrates não pertence à «nova geração de políticos», exactamente pela instrutiva circunstância de que os não há. Quem? O pobre Santana?, o triste Telmo?, o arremessado Portas?, o lúgubre Bernardino Soares?; o Seguro, que mais parece um caixeiro de praça de uma loja de caixões? Com esta massa encefálica, a densidade e a temperatura políticas chegaram ao grau zero da oligofrenia.

Jorge Coelho disse que Sócrates é o melhor entre os melhores. Este infinito não é, sequer, concebível. Se atentarmos, em retrospecto embaraçoso, nas «prestações» televisivas do desenvolto candidato a chefe socialista; ou, mais recentemente, na extraordinária entrevista à Revista do «Expresso», obtemos a simplificada possibilidade de verificar que José Sócrates não dispõe de ideias de seu, que o discurso desobedece às regras da lógica e da coerência, e que as atrevidas citações usadas não passam disso mesmo: de um atrevimento só por brincadeira admissível, e, admissivelmente, uma demonstração de ignorância falaciosamente ilustrada.

Há uma teia reticular de interesses nestas eleições partidárias. O PS mantém considerável poder na sociedade portuguesa. No limite, as transformações de uma estrutura tão complexa como aquela são praticamente impossíveis. O «aparelho» por seu lado, é uma constelação de solidárias moléculas, que se movimentam consoante as vibrações circunstanciais. Isto significa que a «ideologia» não conta. O que, naturalmente, procria novos poderes, nascidos das autarquias, das empresas adstritas, do negócios dos terrenos, das empreitadas, das obras públicas. Ao pôr em causa a presença de Jorge Coelho, na apresentação de Sócrates como candidato, Manuel Alegre desafiou o «aparelho» e foi, de imediato, criticado com agressividade. Coelho demitiu-se, não porque se sentiu «insultado»: na realidade não o fora - mas, certamente, porque entendeu que fora visado o centro dessas influências recíprocas, que se sustentam entre si através de relações imbricadas.

A complexidade explica a imprevisibilidade. Na compreensão deste princípio seria bom interrogarmo-nos sobre a natureza do apoio da Direita, e o interesse demonstrado por muitos grupos económicos e de parte substancial do patronato ao candidato José Sócrates. O vazio ideológico da sociedade portuguesa tem produzido o inesperado. Figurinhas de terceiro patamar são alçadas a lugares de topo, sem o mínimo indispensável de conhecimentos, de paixão, de vontade, de cidadania. E cada vez mais se torna razoável pensar que será longo o período de mediocridade, de insânia e de apatia ética que se avizinha.

APOSTILA 1 - Aos meus Dilectos recomendo, vivamente, a leitura de «Será a Ciência Inumana? - Ensaio sobre a Livre Necessidade», de Henri Atlan (Edição do Instituto Piaget, cuja notável actividade nunca é demais salientar). E, também, «Montaigne - Pequeno Vade-Mecum», tradução e notas de Luís Leitão, edição da Antígona. Já agora, publicados pela Fim de Século, em excelentes traduções do poeta e ensaísta Miguel Serras Pereira, «Jacques Derrida - Sob Palavra - Instantâneos Filosóficos»; e um fascinante diálogo entre George Steiner a Antoine Spire, «Barbárie da Ignorância».

APOSTILA 2 - É numerosa a correspondência electrónica que recebo. A todos os meus leitores tenho respondido. A J. Silvestre (Faro) faço-o aqui, porque resolvo (penso que definitivamente) uma aparente angústia metafísica que apoquenta alguns deles: não estou inscrito em nenhum partido e, hoje, tenho da organização interna de todos eles a pior das impressões.

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