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Roma e Pavia não se fizeram num dia

A proposta de realização de referendo na Grécia constitui um sintoma do estado de desgaste da opinião pública e das estruturas politicas face ao desafio que comporta o exigente programa de ajustamento económico em curso.

A proposta de realização de referendo na Grécia constitui um sintoma do estado de desgaste da opinião pública e das estruturas politicas face ao desafio que comporta o exigente programa de ajustamento económico em curso. Em Setembro, a directora-geral do FMI, Christine Lagarde, apelidou este estádio de "fadiga das reformas". Este contexto não constitui uma novidade para o FMI. Há cerca de dez anos, na sequência dos programas então implementados nos países da América Latina, analisaram-se as tendências emergentes de um menor suporte aos programas de ajustamento. Nesta breve nota, revisitam-se algumas dessas conclusões e a sua aplicação ao contexto actual.

Conforme descrito por Ortiz1, As reformas estruturais implementadas nos países da América Latina desde meados dos anos 80 visaram a promoção do crescimento económico e a correcção do endividamento excessivo. Aspirando a um padrão de crescimento sustentável a médio prazo, identificaram-se como objectivos intermédios a liberalização financeira, uma maior abertura ao investimento estrangeiro e ao comércio internacional, privatizações e intervenção nos mercados regulados. Uma economia mais flexível deveria ser alcançável através de um recurso acrescido a práticas de mercado de par com uma revisão do papel do Estado na economia. Na sua essência, o "Washington consensus" de então pouco difere do que agora se preconiza para os países europeus endividados e com fraco crescimento potencial.

O que correu diferente do que se previa? O crescimento ficou aquém do esperado (pelo menos na transição do milénio), e a confiança nas reformas e até nos sistemas políticos associados foi abalada, em boa parte resultado do aumento da insegurança económica que surgiu, expectável em processos de mudança, particularmente em grupos com uma forte representatividade social e que historicamente tinham beneficiado de maior protecção no emprego.

Parte deste insucesso foi atribuído ao facto das reformas terem ficado incompletas ou terem-se revelado extemporâneas face ao estado de desenvolvimento dos países, com destaque para a respectiva arquitectura institucional e para a "força de lei"; à influência do contexto externo; e, também, à dinâmica do próprio processo de reforma, onde perante os primeiros sinais de estabilização económica o incentivo político para continuar com medidas "arriscadas" tendeu, naturalmente, a decrescer.

Face a este diagnóstico, as propostas de melhoria de intervenção centraram-se em temas caros à economia, como os incentivos e a gestão das expectativas. Designadamente, na importância de obter benefícios tangíveis para a população atribuíveis ao esforço da reforma; na conciliação com o ciclo político; e, na comunicação de metas ambiciosas mas credíveis.

No primeiro caso, o enfoque foi colocado no desenvolvimento das denominadas "reformas de segunda geração" que demoram anos a surtir os efeitos desejados, nos sistemas de pensões, na fiscalidade, nos direitos de propriedade, no sistema judicial, na educação, nas políticas redistributivas (Chriszt), medidas que tendam a ir ao encontro de preocupações com a degradação de condições sociais ou com desigualdades sociais. Acções que envolvem colação de múltiplos agentes e que implicam maior morosidade de concretização. Influência que está bem presente no programa acordado para Portugal.

Na conciliação com o ciclo político verificou-se que o ónus do impulso reformista na reeleição dos proponentes foi menos expressivo nos países onde se verificou sucesso na estabilidade dos preços (um tema importante para a América Latina nos anos 80/90). Na área do euro, a estabilidade de preços não depende directamente dos estados membros, mas o benefício de finanças públicas equilibradas é igualmente significativo na definição de um ambiente económico propício ao processo de decisão informado dos agentes.

Mais interessante, porém, parece ser o reconhecimento da importância de aspectos quase de senso comum. Como refere Ortiz, a tendência para uma simplificação dos problemas que contribuiu para a ilusão de que uma prescrição de um conjunto de medidas resolverá os problemas estruturais é terreno fértil para a frustração de expectativas e para a desconstrução das reformas. A mudança estrutural é um processo, não representa um ponto ou rácios específicos em determinado tempo, perpétuo na instituição de mecanismos de adaptação e de propensão aos desafios. Implica "vencedores" e "vencidos". Ao Estado atribui um papel determinante no devido equilíbrio entre os proveitos do sucesso e os custos dos desafios, de forma a revigorar o apoio às mudanças e a limitar a aversão ao risco. Uma constatação com relevo acrescido num período em que a benesse em termos de atitudes e crenças não deverá resultar da conjuntura económica.

1Seguem-se de muito perto os artigos de Guillermo Ortiz (então Governador do Banco do México), "Overcoming Reform Fatigue", disponível no site do FMI, na F&D de Set.2003 e de Michael Chriszt, "All pain, no gain? Reform fatigue and the long term outlook in Latin America", FRBA

Gabinete de Estudos do Millennium BCP

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