Opinião
Residentes não habituais: terá a montanha parido um rato?
Regime fiscal dos residentes não habituais prometia ser uma importante ferramenta da competitividade exterana nacional. Infelizamente, a prática não confirmou as expectativas
A publicação, em Setembro de 2009, do regime fiscal dos residentes não habituais constituiu um importante desenvolvimento no sistema fiscal português, traduzindo-se numa ruptura com a tradição da nossa política fiscal internacional.
Essencialmente, este regime visa atrair para Portugal dois grupos-alvo. Por um lado, trabalhadores qualificados com mobilidade internacional, vulgo expatriados, aos quais se garante uma taxa fixa de tributação de 20% sobre os rendimentos do trabalho, dependente ou independente, obtidos em Portugal e que decorram de determinadas actividades de "elevado valor acrescentado", constantes de uma lista. Por outro lado, o regime visa também atrair indivíduos com um elevado património líquido, nomeadamente ao prever uma isenção sobre rendimentos de fonte estrangeira, desde que verificadas determinadas condições.
Embora profundamente inovador no contexto legislativo-fiscal português, está longe de ser pioneiro internacionalmente e, desde logo, na Europa, onde existem diversos regimes similares, alguns dos quais com anos, ou mesmo décadas, de existência. São disso exemplo os regimes existentes em Espanha, em França, em Itália, em Malta, no Reino Unido, na Irlanda, na Suíça, na Áustria, na Bélgica, na Holanda, na Suécia, na Dinamarca e, mais recentemente, no Luxemburgo.
De uma análise comparativa entre as principais características destes vários regimes resulta claro que, em termos gerais, o regime português compara bem com os demais, quanto às condições de qualificação, quanto aos benefícios fiscais concedidos e quanto à sua duração. Observemo-lo ao nível das regras aplicáveis aos expatriados.
Para qualificar para o regime português, basta a um indivíduo ser considerado residente fiscal em Portugal num dado ano e não ter sido tributado como tal em nenhum dos cinco anos anteriores, ao passo que outros regimes estabelecem condições adicionais ou mais restritivas (a título de exemplo, Espanha exige um período anterior sem residência fiscal em Espanha de 10 anos e exclui rendimentos anuais brutos superiores a 600.000 Euros).
Quanto aos benefícios, a comparação surge dificultada pelo facto de estes terem natureza diversa nos vários regimes, como seja a tributação a uma taxa reduzida, a opção pela tributação segundo o regime dos não residentes, a isenção de tributação de uma parcela do rendimento ou a não tributação do rendimento associado ao processo de expatriação. Não obstante, as condições do regime português parecem atractivas quando comparadas, por exemplo com Espanha, onde os beneficiários do regime especial podem beneficiar de tributação à taxa de não residente, i.e, 24%.
Finalmente, o regime português aplica-se durante 10 anos, período que supera o concedido por outros países, como sejam Suécia (3 anos) Espanha (5 anos) e Holanda (8 anos).
Embora do ponto de vista legislativo o regime português seja, pois, bastante competitivo quando comparado com a generalidade dos regimes similares no espaço europeu, a prática administrativa na sua aplicação tem deixado bastante a desejar, sendo fonte de forte insegurança jurídica e, até, de grave frustração das legítimas expectativas dos contribuintes. Apontemos então, em traços gerais, as principais dificuldades com que, cerca de dois anos e meio depois da sua publicação, ainda se deparam os contribuintes que pretendam beneficiar do regime:
- Não emissão de notas de liquidação de 2010: Não foram ainda emitidas as notas de liquidação de IRS de 2010 dos contribuintes que entregaram declarações como residentes não habituais e com rendimentos de actividades de "elevado valor acrescentado". Tal sucede mesmo quando o seu estatuto de residente não habitual e o carácter das actividades desenvolvidas se encontram já devidamente reconhecidos pela Administração Tributária. Isto, apesar de a lei dispor que as notas de liquidação deveriam ter sido emitidas, no máximo, até 31 de Julho de 2011;
- Emissão incorrecta de notas de liquidação de 2010: Foram incorrectamente emitidas diversas notas de liquidação, não tendo sido considerada a isenção de rendimentos obtidos no estrangeiro, nomeadamente de pensões, dividendos e juros;
- Não aplicação do regime ao ano de 2009: A criação de obstáculos administrativos conduziu a que virtualmente nenhum residente não habitual pudesse beneficiar do regime para o ano de 2009 e pôs em causa a sua aplicação para os anos seguintes. Fica a sensação de que esses obstáculos, sem qualquer aderência à lei, foram o expediente encontrado por uma Administração Tributária que parece ter sido apanhada de surpresa pela publicação do regime em 2009;
- Requisitos documentais excessivos: A documentação exigida pelas autoridades fiscais para comprovar a não tributação em Portugal nos cinco anos anteriores, excede muito claramente o que resulta da legislação fiscal, pondo em causa a aplicação do regime para diversos contribuintes.
É, pois, altamente desejável que as situações acima descritas sejam rapidamente solucionadas. Como é fácil de compreender, nas actuais circunstâncias, o regime não só não é atractivo, como pode verdadeiramente revelar-se contraproducente.
Não obstante não esteja isento de críticas quanto a alguns aspectos do modelo seguido, o regime dos residentes não habituais prometia ser uma importante ferramenta da competitividade externa nacional, destacando-se inclusivamente dos seus concorrentes europeus. Infelizmente, a prática não tem sido de molde a confirmar as expectativas criadas pela sua publicação ou a permitir o cumprimento dos objectivos a que se propunha, situação que urge solucionar.
Tal situação é ainda particularmente grave, por prejudicar a imagem externa da fiscalidade nacional em geral, nomeadamente junto das multinacionais e das comunidades de pessoas altamente qualificadas e de elevado património. Em resumo, aqueles que queremos, e quereremos, atrair para Portugal.
Resumo
• O regime dos residentes não habituais visa atrair para Portugal trabalhadores qualificados com mobilidade internacional e indivíduos com elevado património líquido.
• O regime é inovador na legislação portuguesa, mas não internacionalmente, sendo diversos os regimes similares, nomeadamente na Europa.
• O regime português é genericamente bastante competitivo face aos regimes europeus similares.
• A prática da Administração Tributária na aplicação do regime tem frustado as legítimas expectativas dos contribuintes e gerado insegurança jurídica, pondo em causa a competitividade do regime.
• A resolução desta situação é essencial para que o regime cumpra os objectivos com que foi criado.
*Pwc
luis.filipe.sousa@pt.pwc.com
Essencialmente, este regime visa atrair para Portugal dois grupos-alvo. Por um lado, trabalhadores qualificados com mobilidade internacional, vulgo expatriados, aos quais se garante uma taxa fixa de tributação de 20% sobre os rendimentos do trabalho, dependente ou independente, obtidos em Portugal e que decorram de determinadas actividades de "elevado valor acrescentado", constantes de uma lista. Por outro lado, o regime visa também atrair indivíduos com um elevado património líquido, nomeadamente ao prever uma isenção sobre rendimentos de fonte estrangeira, desde que verificadas determinadas condições.
De uma análise comparativa entre as principais características destes vários regimes resulta claro que, em termos gerais, o regime português compara bem com os demais, quanto às condições de qualificação, quanto aos benefícios fiscais concedidos e quanto à sua duração. Observemo-lo ao nível das regras aplicáveis aos expatriados.
Para qualificar para o regime português, basta a um indivíduo ser considerado residente fiscal em Portugal num dado ano e não ter sido tributado como tal em nenhum dos cinco anos anteriores, ao passo que outros regimes estabelecem condições adicionais ou mais restritivas (a título de exemplo, Espanha exige um período anterior sem residência fiscal em Espanha de 10 anos e exclui rendimentos anuais brutos superiores a 600.000 Euros).
Quanto aos benefícios, a comparação surge dificultada pelo facto de estes terem natureza diversa nos vários regimes, como seja a tributação a uma taxa reduzida, a opção pela tributação segundo o regime dos não residentes, a isenção de tributação de uma parcela do rendimento ou a não tributação do rendimento associado ao processo de expatriação. Não obstante, as condições do regime português parecem atractivas quando comparadas, por exemplo com Espanha, onde os beneficiários do regime especial podem beneficiar de tributação à taxa de não residente, i.e, 24%.
Finalmente, o regime português aplica-se durante 10 anos, período que supera o concedido por outros países, como sejam Suécia (3 anos) Espanha (5 anos) e Holanda (8 anos).
Embora do ponto de vista legislativo o regime português seja, pois, bastante competitivo quando comparado com a generalidade dos regimes similares no espaço europeu, a prática administrativa na sua aplicação tem deixado bastante a desejar, sendo fonte de forte insegurança jurídica e, até, de grave frustração das legítimas expectativas dos contribuintes. Apontemos então, em traços gerais, as principais dificuldades com que, cerca de dois anos e meio depois da sua publicação, ainda se deparam os contribuintes que pretendam beneficiar do regime:
- Não emissão de notas de liquidação de 2010: Não foram ainda emitidas as notas de liquidação de IRS de 2010 dos contribuintes que entregaram declarações como residentes não habituais e com rendimentos de actividades de "elevado valor acrescentado". Tal sucede mesmo quando o seu estatuto de residente não habitual e o carácter das actividades desenvolvidas se encontram já devidamente reconhecidos pela Administração Tributária. Isto, apesar de a lei dispor que as notas de liquidação deveriam ter sido emitidas, no máximo, até 31 de Julho de 2011;
- Emissão incorrecta de notas de liquidação de 2010: Foram incorrectamente emitidas diversas notas de liquidação, não tendo sido considerada a isenção de rendimentos obtidos no estrangeiro, nomeadamente de pensões, dividendos e juros;
- Não aplicação do regime ao ano de 2009: A criação de obstáculos administrativos conduziu a que virtualmente nenhum residente não habitual pudesse beneficiar do regime para o ano de 2009 e pôs em causa a sua aplicação para os anos seguintes. Fica a sensação de que esses obstáculos, sem qualquer aderência à lei, foram o expediente encontrado por uma Administração Tributária que parece ter sido apanhada de surpresa pela publicação do regime em 2009;
- Requisitos documentais excessivos: A documentação exigida pelas autoridades fiscais para comprovar a não tributação em Portugal nos cinco anos anteriores, excede muito claramente o que resulta da legislação fiscal, pondo em causa a aplicação do regime para diversos contribuintes.
É, pois, altamente desejável que as situações acima descritas sejam rapidamente solucionadas. Como é fácil de compreender, nas actuais circunstâncias, o regime não só não é atractivo, como pode verdadeiramente revelar-se contraproducente.
Não obstante não esteja isento de críticas quanto a alguns aspectos do modelo seguido, o regime dos residentes não habituais prometia ser uma importante ferramenta da competitividade externa nacional, destacando-se inclusivamente dos seus concorrentes europeus. Infelizmente, a prática não tem sido de molde a confirmar as expectativas criadas pela sua publicação ou a permitir o cumprimento dos objectivos a que se propunha, situação que urge solucionar.
Tal situação é ainda particularmente grave, por prejudicar a imagem externa da fiscalidade nacional em geral, nomeadamente junto das multinacionais e das comunidades de pessoas altamente qualificadas e de elevado património. Em resumo, aqueles que queremos, e quereremos, atrair para Portugal.
Resumo
• O regime dos residentes não habituais visa atrair para Portugal trabalhadores qualificados com mobilidade internacional e indivíduos com elevado património líquido.
• O regime é inovador na legislação portuguesa, mas não internacionalmente, sendo diversos os regimes similares, nomeadamente na Europa.
• O regime português é genericamente bastante competitivo face aos regimes europeus similares.
• A prática da Administração Tributária na aplicação do regime tem frustado as legítimas expectativas dos contribuintes e gerado insegurança jurídica, pondo em causa a competitividade do regime.
• A resolução desta situação é essencial para que o regime cumpra os objectivos com que foi criado.
*Pwc
luis.filipe.sousa@pt.pwc.com