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Reformismo a contragosto

Que qualquer reforma profunda e estrutural tem altos custos não oferece grandes dúvidas. Que os benefícios são incertos, difusos e muito provavelmente de longo prazo também não. Consequentemente, a oposição às mudanças importantes na Educação, na Saúde ou

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Logicamente essas reformas estruturais devem fazer-se na época das vacas gordas quando existe disponibilidade para minimizar os custos de reformas estruturais e efectivamente compensar os prejudicados, isto é, para implementar um programa de mudança paradigmático com menor conflitualidade social. Curiosamente, quer em Portugal, quer em Espanha, pratica-se o contrário. Faz-se reformismo q.b. a contraciclo.

De Portugal já sabemos a história. O betão não deu lugar a reformas na Saúde, na Educação ou na Justiça. Durante as vacas gordas dos anos 90 adiou-se tudo, perdeu-se a oportunidade e o pouco que se fez foi permitir subjugar o Estado aos interesses corporativos em versão pós-moderna do Estado corporativo. Entretanto chegaram as vacas magras e com elas o reformismo a contragosto. Rejeitado reiteradamente nas urnas pela grande maioria dos portugueses, os diferentes governos tiveram de usar a farsa do deficit escondido pelo governo anterior para justificar as reformas importantes. Sem mandato popular para essas reformas, mas com a legitimidade democrática de quem tem uma maioria parlamentar, os últimos governos ensaiaram umas tantas mudanças importantes (ainda que bastante pouco ambiciosas). Em ambos os casos (PSD-CDS e PS), sem um plano bem fundamentado, com navegação à vista, sem disponibilidade orçamental para suavizar a contestação, o ímpeto reformista acabou no primeiro cabo das tormentas. Sem resultados. Mas com o primeiro-ministro de turno a anunciar milagrosas bonanças que ninguém seriamente vê. Vive-se entre o sebastanianismo de uma sociedade que quer os benefícios das reformas sem pagar os custos e o Alcácer-Quibir do reformismo governamental, em 2004 como em 2008. Podemos mesmo dizer que vamos de oportunidade perdida em oportunidade perdida.

Contudo em Espanha não é diferente. Esse exemplo tão cultivado pelos nossos comentadores de economia e política vive uma história infelizmente semelhante. As importantes reformas na Educação, na Saúde, na Justiça e na Administração Pública foram inicialmente forçadas pelas autonomias em virtude da delegação de competências. A duplicação de custos administrativos e os conflitos entre as autonomias e o governo central só foram realmente objecto de mudança programática nos últimos governos de González (de 1992 a 1996) quando havia mais vacas magras do que vacas gordas. Depois veio a direita. Aznar ensaiou um programa de reformas tímidas, mas a bonança económica e a maioria absoluta rapidamente o enterraram. De 2000 a 2008, entre populares e socialistas, nada se viu de muito relevante na Educação, na Saúde, na Justiça e na Administração Pública. O governo de Zapatero conseguiu mesmo a proeza de fazer os novos estatutos das autonomias sem realmente implementar nada de novo (para grande frustração da Catalunha). Agora que a economia espanhola se aproxima do abismo imobiliário, o governo socialista descobriu os seus ímpetos reformistas. Todavia, tal como em Portugal, a descoberta é convenientemente posterior às eleições de 9 de Março e até agora não passa da treta habitual (melhorar a Educação, colocar as universidades espanholas entre as melhores do mundo, assegurar uma Justiça eficaz e eficiente, modernizar as administrações públicas). Veremos a seu tempo se Zapatero concretiza exactamente em que consistem essas anunciadas reformas, mas temo que, gasto o excedente orçamental em 2009, a presidência espanhola da União Europeia em 2010 enterrará sem pena nem lágrimas esta conversa.

Talvez seja o destino peninsular. Talvez sejam os genes ibéricos. Não esqueçamos que quer em Portugal, quer em Espanha, mudanças estruturais e institucionais, jamais se fizeram em democracia. Veremos quando tal acontece. Até lá viveremos entre o descontentamento das vacas magras e o desvario das vacas gordas. Claro que, no caso português, agora um importante “case study” de uma economia submergente, vacas gordas é coisa que a minha geração não verá tão cedo.

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