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27 de Setembro de 2012 às 09:41

Recuperação e insolvência de empresas e o impacto nas relações laborais

Muitos são os credores, incluindo trabalhadores, que têm vindo a ser confrontados com a necessidade de serem eles próprios a requerer a declaração judicial da insolvência dos devedores.

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Os efeitos da crise no tecido empresarial português tem vindo a aumentar exponencialmente o número de anúncios de sentenças de declaração de insolvência, publicados no Diário da República. Mas, independentemente da crise, é preciso ter presente que "nem todas as iniciativas empresariais terminam em sucesso. Na realidade, mesmo num país de empreendedores e onde as técnicas de gestão estão mais desenvolvidas, como os Estados Unidos da América, 24% dos novos negócios falham nos primeiros dois anos, e apenas 48% se mantêm para além de quatro anos".

Perante tais realidades e atendendo à necessidade de cumprimento do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, foi aprovado, recentemente, o Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto, que veio criar o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE).

O principal objectivo deste Diploma legal consiste em promover, dentro de um prazo máximo de três meses, a recuperação extrajudicial das empresas com dificuldades financeiras, mediante a celebração de um acordo entre essas empresas e os seus credores. Note-se que é obrigatório que estes últimos representem, pelo menos, 50% do valor global das dívidas da empresa subscritora do acordo. Acresce que qualquer credor pode requerer a sua participação no SIREVE, mesmo que tal participação não tenha sido solicitada pela empresa e/ou pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (IAPMEI).

Este procedimento é acompanhado pelo IAPMEI, sem qualquer intervenção dos tribunais, competindo a esta entidade, essencialmente, emitir juízo técnico sobre a viabilidade da empresa e proposta do acordo extrajudicial, bem como participar nas negociações e subscrever o acordo.

Ocorre que apenas o decurso do tempo e a prática permitirão aferir se este mecanismo conseguirá, efectivamente, alcançar o propósito de constituir uma alternativa ao processo judicial de insolvência, o qual tem vindo a ganhar projecção e relevância perante os tribunais portugueses em virtude dos devedores se encontrarem, cada vez mais, impossibilitados de cumprirem obrigações vencidas.

Muitos são os credores, incluindo trabalhadores, que têm vindo a ser confrontados com a necessidade de serem eles próprios a requerer a declaração judicial da insolvência dos devedores. Os credores procuram, através do processo de insolvência, a satisfação do seu crédito mediante o cumprimento, pelo devedor, de um plano de insolvência que tenha subjacente, nomeadamente, a recuperação da empresa, ou quando tal se revele impossível, a liquidação do património do devedor para repartição do produto obtido.

No que respeita aos trabalhadores, esclareça-se que estes poderão requerer a insolvência do empregador em caso de incumprimento generalizado, nos últimos 6 meses, de dívidas resultantes do contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato.

Alcançada a declaração judicial de insolvência, os trabalhadores mantêm-se vinculados ao empregador insolvente através dos respectivos contratos de trabalho e o administrador de insolvência, entretanto nomeado, fica obrigado a cumprir todas as obrigações assumidas pelos empregadores nos referidos contratos.

Posteriormente, a tomada de decisão de reestruturação da empresa ou necessidade de extinção da mesma determinará o futuro dos contratos de trabalho afectados.
O encerramento total e definitivo da empresa torna-se inevitável quando verificada a impossibilidade da sua reestruturação ou transmissão e determina a caducidade dos contratos de trabalho.

Para que tal caducidade possa operar, a Lei obriga que seja seguido, com as necessárias adaptações, o procedimento previsto para o despedimento colectivo, incluindo o pagamento da compensação fixada na Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho. Este procedimento apenas não será seguido em caso de microempresas (empresas com menos de dez trabalhadores), sem prejuízo dos trabalhadores deverem ser informados do encerramento nos termos legalmente prescritos e manterem o direito à referida compensação.

Importa notar, ainda, que a título excepcional, antes do encerramento total e definitivo da empresa, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa. Para o efeito, terá também de aplicar o regime do despedimento colectivo nos termos acima referidos.

Sem prejuízo do destino dos contratos de trabalho e independentemente de serem os próprios trabalhadores a iniciarem a acção de insolvência, os trabalhadores têm, em regra, direito a intervir no processo de insolvência e os seus créditos (emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação) gozam de privilégios creditórios, ou seja, os trabalhadores são pagos com preferência face a outros credores.

Acresce que os créditos dos trabalhadores, que não possam ser pagos pelo empregador, serão assegurados pelo Fundo de Garantia Salarial desde que vencidos nos 6 meses que antecedem a data da propositura da acção de insolvência. Caso não existam créditos relativos a esse período ou caso não atinjam os limites legais estabelecidos (6 vezes o triplo da retribuição mínima garantida), poderão ser pagos créditos vencidos após a entrada da acção de insolvência até ao referido limite.

Finalmente, não se poderá olvidar, a este propósito, que os trabalhadores não poderão, em qualquer circunstância, reclamar o pagamento de créditos laborais que estejam já prescritos, sendo que o prazo de prescrição é de 1 ano contado do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho.






TOME NOTA

1. O Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de Agosto, veio criar o Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE);

2. O SIREVE visa constituir uma alternativa ao processo judicial de insolvência;

3. A declaração judicial de insolvência não determina a cessação dos contratos de trabalho, ficando o administrador da insolvência responsável pelo respectivo cumprimento;

4. Os créditos dos trabalhadores emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de preferência face aos créditos de outros credores.



*Associada da Teixeira de Freitas, Rodrigues e Associados
claudia.torres@tfra.pt


** Sociólogo
rjm.tome@gmail.com



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