Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
14 de Maio de 2004 às 14:00

Qual democrata?!...

..«A democracia é o pior regime político, fora todos os outros». ...

  • ...

Quem assistiu aos depoimentos à comissão do Senado norte-americano que investiga as denúncias de maus tratos a prisioneiros no Iraque não pode ter deixado de confirmar: «A democracia é o pior regime político, fora todos os outros».

Foi instrutivo ver o subsecretário de Defesa, Stephen Cambone, muito humilde, a dizer «Yes, Sir», há «orientações diferentes» para o tratamento dos prisioneiros do Iraque e de Guantánamo; «No, Sir», a convenção de Genebra não se aplica aos prisioneiros de Guantánamo; etc, etc, etc, «Sir»...

A democracia não tem o poder de converter autocratas em democratas. Aliás, talvez sejam minoria ou até mesmo raridade os políticos que se mantêm genuinamente democratas depois de usarem a democracia - e as facilidades que esta oferece para a alternância de poder - para chegar lá.

O poder pode ter efeitos nefastos no carácter de quem o alcance, e o que a democracia tem de bom é o pressuposto - um tanto sombrio, reconheça-se - de que a natureza humana não é lá essas coisas, e que é preciso criar e alimentar instituições que controlem os ímpetos menos nobres dos que nos governam.

Optimistas são as ditaduras, que acreditam que há um Pai Bom (ou um Proletariado Bom) a quem possamos entregar, despreocupadamente, a condução dos nossos destinos, rumo à felicidade.

As convicções democráticas de George W. Bush, de todo o seu governo e, mais especificamente, do «team» da Defesa, parecem, no mínimo, ténues.

Se há dúvidas sobre a cadeia de responsabilidades directas nos casos de Abu Ghraib, não as há quanto a Guantánamo. Foi o Pentágono que aprovou a lista de 20 técnicas de interrogatório aos prisioneiros de Guantánamo que inclui inversão dos períodos de sono, nudez, frio, «ataques sensoriais», numa palavra, tortura.

«Legalidade» e «Direitos Humanos» são conceitos indissociáveis de «Democracia», e pouco vistas em Guantánamo.

Pensando bem, confirmada a lista de «técnicas de interrogatório» para os prisioneiros de Guantánamo, nem ténues hão de ser as convicções democráticas de Bush e do Pentágono.

Outra palavra indissociável de «Democracia» é «responsabilidade». Em democracia, os governantes são jurídica e politicamente responsabilizados pelos seus actos - ou pelas suas omissões

Um Presidente da República não precisa de dar a ordem: «Torturem, lancem-lhes os cães, exponham-nos à humilhação e ao frio, apliquem- lhes ´ataques sensoriais` mas façam-nos confessar» para ser politicamente responsabilizado por essas práticas.

Bush permitiu Guantánamo (e, se a esse respeito soubesse tanto quanto qualquer leitor da imprensa internacional, já saberia o bastante) e, pelo exemplo, Guantánamo permitiu Abu Ghraib.

A moda é dizer: «Até tenho muita simpatia pelo povo americano; não gosto é do regime».

E o que vos digo é que não tenho nenhuma simpatia pelo povo americano mas gosto é do regime, que é democrático, que obriga o subsecretário de Defesa a baixar o tom e a chamar o representante do povo de «Sir» e que, mais cedo ou mais tarde, há de ser, junto com o chefe e com o chefe do chefe e com o chefe do chefe do chefe... chamado à responsabilidade pelo que se passa em Guantánamo, em Abu Ghraib e no mundo.

Diante da ausência de armas químicas no Iraque, Bush tenta convencer-nos de que o que está em jogo no Iraque é a Democracia. Já me convenceu. Só falta esclarecer de que lado está ele próprio.

PS: A Câmara de Oeiras teve o cuidado de pedir aos Srs. que estacionam em cima do passeio para não o fazerem em determinadas ruas, em determinados períodos. É que nessas ruas e períodos seriam feitos trabalhos de poda, e a pintura dos lindos carrinhos que nos empurram para o meio da rua poderia ficar estragada por algum ramo que lhes caísse em cima. Que amor...

Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio