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03 de Julho de 2007 às 13:59

Privatizadores relutantes

Salvo melhor opinião, o factor mais influente na configuração actual da cena empresarial nacional foi o processo de privatizações iniciado em 1989, com a venda de uma participação minoritária no então Banco Totta & Açores, hoje incorporado no Banco Santan

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Das vinte empresas do PSI-20, onze são empresas que, ou foram privatizadas (Banco Espírito Santo, Brisa, Cimpor, EDP, Galp Energia, Portugal Telecom, Portucel, PTM) ou adquiriram, e detêm, activos privatizados (BCP, BPI, Semapa). Para não forçar o argumento, excluímos desta lista a Sonae, com três papéis no PSI20 (SGPS, Industria, Sonaecom), apesar do seu percurso de enorme sucesso ter sido múltiplas vezes tangencial a activos privatizados (a venda original do Totta, o BPA, mais recentemente a PT).

No essencial, as cartas deste jogo estão dadas. Houve 4 operações em 1989, 7 em 1990, 7 em 1991, 15 em 1992, o máximo anual, 8 em 1993, 9 em 1994, 14 em 1995, 11 em 1996, e depois uma progressiva perda de ritmo, com apenas 6 operações neste século, quase exclusivamente sequelas (Brisa 4, Cimpor 4, BCA 5, Gescartão, Enatur, Galp 4). Mesmo assim, ou quiçá precisamente por isso, a aproximação de uma privatização é notícia de grande impacto. A que está no horizonte para este ano é a venda de uma participação minoritária (de 19%) na REN, a que, segundo declarações recentes do Prof. Teixeira dos Santos, se seguirá uma segunda fase (ainda em 2007?) em que a República venderá a maioria do capital. Esta privatização parece assim seguir a estrutura mais habitual, uma colocação no mercado por tranches, começando com a venda de uma posição minoritária para posteriormente ceder a maioria e, eventualmente, todo o capital remanescente, menos eventualmente a menos da golden share possível, a bem do "interesse nacional".

A completa saída da República do capital das empresas privatizadas não parece ser receita popular, apesar de 18 anos de privatizações. Quando da OPA sobre a PT, a República mostrou-se vigorosa na defesa da sua golden share, gerando mesma uma curiosa oferta de Joe Berardo por ela. O Chief Executive da EDP, António Mexia, tem-se manifestado a favor da manutenção de uma participação pública na empresa (actualmente cerca de 25%, contando com a posição da Caixa Geral de Depósitos), para assegurar a respectiva estabilidade accionista. O Presidente da REN, José Penedos, tem defendido a venda da maioria do capital e a manutenção da posição de 20% da CGD, para garantir um mix público-privado semelhante ao da homóloga espanhola da REN. Fundamentos diferentes, mas recomendações muito semelhantes. Em entrevista recente ao Expresso, o Presidente da República em funções em 1989, Mário Soares, quando inquirido sobre as suas diferenças com o actual Primeiro Ministro, referiu que este tem de combater as "excessivas privatizações" enquanto que a ele lhe tinha cabido opor-se às "excessivas nacionalizações". Em suma, privatizações sim, uma ou duas por ano, mas com moderação. Este padrão não é exclusivamente português, e foi objecto de um estudo exaustivo, sugestivamente intitulado "Reluctant Privatization", do Professor Bernardo Bortolloti da Universidade de Turim (working paper #4 do European Corporate Governance Institute, 2004), que demonstra que, à data de 2000 e com uma amostra global de privatizações realizadas até 1997, os governos privatizadores retinham o controle (através de estruturas de participação em pirâmide, disposições estatutárias e/ou acções com direitos especiais) de 62% (quase dois terços?) das empresas que haviam privatizado.

Esta relutância em privatizar não tem necessariamente de ser racionalizada como uma cortina de fumo lançada sobre os incautos cidadãos para os iludir, fazendo crer que os seus governantes implementam vigorosamente um programa de privatizações quando, na realidade, o não fazem. De facto, em indústrias estruturalmente pouco concorrenciais e reguladas, a retenção de participações públicas sinaliza ao investidor que o Estado, se porventura vier a optar por práticas regulatórias danosas para o valor da empresa privatizada no futuro, se autoflagela. A manutenção de participações públicas (decrescentes, numa venda faseada de acções) pode, assim, revestir a natureza de um prémio de seguro, necessário à atracção de investidores às operações. Os investidores, com pouca confiança na regulação controlada pelo accionista vendedor, compram as acções apenas se este se mantiver sócio, não vá o Diabo tecê-las. Put your money where your mouth is também se aplica aos Governos. Como, neste caso, your money se refere ao dinheiro dos contribuintes, era melhor e mais barato investir num processo regulatório verdadeiramente independente e, por isso, credível. Actions speak louder than words.

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