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25 de Junho de 2013 às 01:27

PPP entre a realidade e a ficção

A verdade é que o investimento com recurso a PPP foi também opção de outros países na sequência da crise económica de 2009 (vejam-se os planos de investimentos nos Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, etc.). E a experiência portuguesa foi sublinhada positivamente pela OCDE em termos comparativos

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Pensávamos que tínhamos finalmente o relatório da Comissão de Inquérito às PPP. Mas fomos surpreendidos com a apresentação de um projecto pelo Deputado Relator. A apresentação, portanto, do relatório que ainda não o é, mas que já contém os ingredientes do primarismo político do bode expiatório: se há um problema, há um culpado. E se há culpa é do Governo anterior. A distracção ideal da grande PPP (Parceria para a Pobreza) a que, com a Troika, está o País sujeito, ao ter-se imposto, com a sua chamada, a sua necessidade.

Uma discussão séria sobre as PPP impõe que se olhe para a substância e não apenas para a forma. As PPP são uma questão de forma, através da qual se promove investimento público. A substância é por isso o próprio investimento e a sua dimensão financeira.

Quanto à substância existem 5 ideias feitas:

1. Portugal é caso único e mau exemplo. A verdade é que o investimento com recurso a PPP foi também opção de outros países na sequência da crise económica de 2009 (vejam-se os planos de investimentos nos Estados Unidos, Reino Unido, Irlanda, etc.). E a experiência portuguesa foi sublinhada positivamente pela OCDE em termos comparativos1. Além de que não está demonstrado que as PPP sejam menos eficientes que o investimento público directo (vejam-se os indicadores financeiros nas obras públicas executadas directamente, menos escrutinadas publicamente, e por isso com menor transparência, menos informação e discussão públicas, e menor exigência contratual e procedimental).

2. Portugal tem investimento e PPP a mais. A verdade é que é dos Países com menor nível de investimento na UE em percentagem do PIB e dos que mais reduziu o investimento, ao contrário da própria Alemanha, sobretudo na segunda metade da última década. Por isso, mesmo que todo o investimento público do País na década passada tivesse sido através de PPP, nem por isso deixava de ser dos mais reduzidos (menos que a média da UE nos últimos dois anos e que Espanha nos últimos oito). Logo, o problema não está em ter-se investido demais (por PPP ou por outra via), mas em ter-se poupado de menos (v.g. particulares e empresas). Basta ver os padrões da poupança e do investimento desde a entrada no Euro.

3. As PPP retiram financiamento à economia. Outra falácia. A dívida ao sector financeiro doméstico é de €4,1 mil milhões (3,7% do crédito total às empresas) dos quais 3,6 mil milhões com prazos de 5 a 25 anos. A dívida a instituições estrangeiras é de 3,8 mil milhões, dos quais 2,9 mil milhões (75%, ou 36% da dívida total) ao BEI. E daí, precisamente, o Ministério das Finanças reconhecer que não será de esperar que o crédito concedido às PPP tenha impacto significativo no crédito à economia2.

4. As PPP não são sustentáveis. Outro equívoco. Para infra-estruturas com vida útil superior "no mínimo" a 60 anos, o VAL dos pagamentos com a rodovia, de acordo com o Ministério das Finanças, é de €13,4 mil milhões (cerca de 8% do PIB) até ao termo dos actuais contratos. Até 2045, é de 0,8 mil milhões (0,46% do PIB, 0,38% da dívida pública, ou 0,12% da dívida total), e positivo depois disso – com a rodovia a financiar as restantes PPP.

5. O País não comporta os encargos com as PPP. As previsões orçamentais anuais dizem o contrário ao apontarem um nível de encargos em torno de 1% do PIB (tendo vindo a reduzir-se: as previsões deixadas pelo ministro Bagão Félix em 2005 eram superiores às previstas pelo ministro Vítor Gaspar em 2012, mesmo contando com o aumento de perímetro dos projectos ocorridos entre 2005 e 2011. Basta comparar os sucessivos orçamentos). Consequentemente, não estão a ser as PPP a causa de incumprimento das metas das contas nacionais, antes a "austeridade expansionista" que não funcionou, ao contrário da curva de "Laffer", infelizmente.

Naturalmente, nada é perfeito. E o dever de fazer melhor é permanente porque impõe lidar com desafios novos. Nas PPP podem discutir-se os projectos e as opções. Daria outro artigo e uma discussão condicionada pela ideologia – e não apenas táctica – político-partidária. Se tivermos só uma discussão primária e superficial, deturpando a história e fazendo passar a ficção conveniente por realidade, teremos novos problemas. Mas não resolvemos nenhum.

1 Cfr. Public-Private Partnership and Investment in Infrastructure, Economics Department Working Papers, Set./2010.

2 Cfr. Relatório sobre PPP e Concessões, DGTF, 2012 (pg. 92).

Docente da Faculdade de Direito de Lisboa

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