Opinião
Português, claro!
Depois de filas e um tempo infernal – literalmente à torreira do sol à hora trágica do meio dia – para conseguir passar a fronteira sul-africana no tormento de preencher inúmera e sempre nova papelada, dirigi-me para o carro e comecei a rolar devagarinho
E eis que me bate com a garrafa no capot do carro: quem me tinha mandado avançar? Onde estava o meu ‘gate pass’? Não saberia eu que era preciso ver o número do motor? Cumpridas mais estas formalidades, avancei a medo e, uns metros mais à frente, novo guarda. Abro o vidro da janela que segundos antes havia fechado e ouço-o dizer: ‘Boa tarde, fez boa viagem?’. ‘Ah! Isto aqui já é Moçambique?’, perguntei com aliviado espanto: ‘Sim minha senhora, já chegou!’, informa-me o guarda exibindo um sorriso que lhe permanece na voz. Encantada, noto de cada vez que venho a Moçambique uma melhoria constante nos serviços, da imigração à hotelaria ou à restauração. Beautiful people, Beautiful country, leio num cartaz de boas-vindas mesmo à minha frente. E serão estas praticamente as únicas palavras em inglês que irei encontrar nas próximas duas semanas de trabalho no curso de mestrado que o ISCTE tem em Maputo. Disso se encarregarão os meus alunos que, ano após ano, bordam palavras sempre novas no meu vocabulário arruinado.
Foi aqui que aprendi que afinal os 4 P’s do marketing também existem em português para que não se perca a menemónica. São eles: produto, preço, promoção e praça. E que a análise SWOT que nos permite analisar e monitorar a envolvente externa em confronto com a nossa realidade interna tem em português uma sigla bem mais doce e sugestiva: FOFA, isto é, forças, oportunidades, fraquezas e ameaças. E que não se diga que assim se perde a lógica de se considerarem primeiro factores externos e depois internos. FOFA tem outra lógica como me esclareceram os alunos: os factores positivos primeiro e os negativos depois, e porque não se hão-de abordar as coisas de um novo ângulo? Melhor do que ter um ficheiro gravado em disco como back up é tê-lo como respaldo; um texto lean, sem gordura, só com músculo – aspiração de qualquer bom investigador – é um texto enxuto; o fenómeno do inbreeding que, num contexto organizacional, significa a prática da contratação de indivíduos de um mesmo grupo restrito, se pode muito bem intitular de endogenia; e, se um empreendedor entra num mercado com uma vantagem técnica elevada mas uma baixa capacidade de protecção dessa vantagem, em vez de um first mover é afinal um pioneiro.
Por outro lado, se tirarmos um curso de gestão com um minor em recursos humanos, fazemo-lo com menção nessa área e se optarmos pela metodologia de investigação grounded theory avançada em 1967 por Glaser e Strauss e que permite uma abordagem sistemática à análise de dados quantitativos tendo em vista a formulação de teorias estamos a optar pela teoria fundamentada. E quanto a brain storming? Será tempestade de ideias? Não, que não podemos fazer traduções à letra senão perdemos camadas de significados, esclarecem-me os alunos. É antes uma chuva de ideias. O processo consiste em gerar espontaneamente ideias para solução de um problema partilhado por todos os membros de um dado grupo: as ideias devem cair como a chuva, sem a perturbação da tempestade. Logo logo, com esta provocada chuva, as nossas mentes sedentas recuperarão o tempo perdido e as soluções poderão florescer em crescendo numa reclamação espontânea do terreno à sua volta. O mesmo se passa com buzz session, a fase que precede e estimula a chuva de ideias e que para nós passará a ser uma sessão sussuro.
E para finalizar esta colecção de termos que se juntam aos já avançados pelo meu colega José Paulo Esperança na sua crónica nestas páginas "Perdidos na Tradução", após a sua experiência no Brasil, no restaurante fico a saber que delicatessen pode ser traduzido pelo apetitoso nome de "deliciosas delicadezas", como se pode comprovar por uma "carvoada de camarão perfumado de finas especiarias e ervas selvagens". Quando comento esta estimulante abundância de palavras, os alunos respondem-me: "Nós elevamos o português professora." Sem dúvida!