Opinião
Fevereiro na China
Fevereiro costuma ser um mês muito agitado na China e este ano não foi exceção. Em 2016, com o Ano Novo chinês a coincidir no dia 8 de fevereiro e toda a panóplia de intensa atividade que o antecede e se lhe segue, as festividades estendem-se ao longo de 40 dias, entre 24 de janeiro e 3 de março.
Neste período espera-se que 332 milhões de passageiros viajem de comboio e a imprensa chinesa, muito dada à numerologia, depressa calculou que, se todos eles se colocassem em fila, formariam uma linha de 332.000 km capaz de abraçar o Equador mais de oito vezes, sendo que o oito é também um número mágico na China. Ao todo serão 2,91 milhares de milhões de viagens por terra, água e ar, a maior migração cíclica do planeta, que de ano para ano aumenta cerca de 4% e proporciona as mais espantosas (e assustadoras) fotografias, basta consultar a internet. O que se passa na China?
Nessa altura, os milhões de pessoas que estudam ou trabalham fora do seu local de origem regressam para a reunião anual com a família, para festejar um novo ano e celebrar a chegada da primavera. Os rituais são muitos e complicados. Uma semana antes do Ano Novo, por exemplo, festeja-se o Pequeno Ano Novo também conhecido pelo Festival do Deus da Cozinha (Zao Shen) cuja responsabilidade é a de vigiar o caráter moral da família, anotando tudo o que de bom e de mau acontece na casa para o reportar nos céus precisamente uma semana antes do dia do Ano Novo. Por isso, no final do ano, a dona da casa tenta ganhar as boas graças de Zao Shen oferecendo-lhe iguarias enquanto o chefe da família lhe unta os lábios com mel para que apenas palavras doces e elogiosas possam sair da sua boca. Alguns derramam-lhe vinho na cabeça para que fique tonto e esqueça o que de mau possa ter acontecido. Depois a imagem de papel que representa este deus é virada contra a parede ou queimada e, no dia seguinte, uma nova imagem é colocada no seu lugar para absorver o espírito no seu regresso. É também durante o Pequeno Ano Novo que os chineses se dedicam a uma intensa limpeza das suas casas e negócios procurando livrar-se do que é velho e substituindo-o pelo novo.
É certo que 80% das viagens no período do Ano Novo chinês se destinam a reencontros com a família, mas as estatísticas mostram uma tendência recente e em aumento acelerado: as muitas viagens em turismo quer interno quer para o exterior da China. Este ano estima-se que 8,56 milhões de pessoas tenham viajado para o estrangeiro e gasto perto de 18 milhões de euros, pois ninguém gasta tanto como o turista chinês. Apesar de todas as inimizades, o Japão é o destino de eleição e, nesse país muito organizado, todos se preparam física e psicologicamente para a avalanche de turistas chineses. Para descrever este surpreendente acontecimento os japoneses criaram a palavra "bakugai" (explosão de compras) que em 2015, entre dezenas de concorrentes, mereceu as honras de palavra do ano no Japão.
Se em 2015 os maiores gastos no Japão durante a semana do Ano Novo chinês foram na maravilha tecnológica que são as tampas para sanita japonesas (por ironia fabricadas na China), em 2016 as escolhas são mais diversificadas e dividem-se por produtos de luxo, material electrónico, produtos cosméticos e até especificidades puramente japonesas como a "randoseru", uma mochila de cabedal tradicionalmente usada pelas crianças japonesas para irem à escola. Recebido como uma bênção - só na "semana dourada" de 2015, a semana do 1 de outubro, as compras dos turistas chineses geraram 0,1% do PIB japonês -, mas também como uma maldição pelo caos no trânsito, nos lugares de estacionamento e na sobrecarga sobre certas infraestruturas, o "bakugai" descreve a história do ano na indústria global de turismo, aquela em que todos os países esperam avidamente que cheguem, de carteiras abertas, os turistas chineses.
Longe de se exasperarem, os comerciantes e os cidadãos japoneses procuram soluções de longo prazo para poderem continuar a capitalizar esta tendência. Não são eles os únicos a beneficiar da voracidade dos turistas chineses, mas só eles se deram ao trabalho de conceptualizar o fenómeno resumindo-o numa só palavra: "bakugai".
Professora no ISCTE Business School
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