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13 de Janeiro de 2012 às 11:49

Portugal, um milagre resiliente

Portugal, um milagre resiliente. (Sir Ken Robinson e a Royal Society of Arts)

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"Como é que havemos de educar as nossas crianças para a economia do século XXI, quando nem sequer sabemos antecipar o estado da economia no final da próxima semana?"
Sir Ken Robinson, autor, conferencista, pedagogo.


Opinião pessoal, mas transmissível: Portugal, como país auto-determinado, é um milagre resiliente. Nenhum país teve de sobreviver tanto à ignorância das suas elites socioeconómicas como Portugal. Equivale isto a dizer que, atendendo ao desvario irresponsável dos líderes públicos, e ao desprezo profundo pelo conhecimento e pelo mérito que o tecido político-económico fomenta com sinistro sucesso provinciano, ter esperança é um risco. Alguém fará, um dia, justiça à dedicação intrínseca da maioria dos nossos cidadãos ao sítio onde vivem (e querem viver), e aí começará o fim do pacto de tolerância à boçalidade cínica do triângulo formado pelos poderes económico, político e mediático.

A "Royal Society for the Encouragement of Arts, Manufactures and Commerce" tem sede em Londres e foi fundada em Covent Garden em 1754. Abreviadamente conhecida como "The RSA - The Royal Society of Arts", dedicou-se ao longo destes 250 anos de História ao fomento do conhecimento e da inovação, da cultura, da cidadania, da arte, da criatividade. O seu arquivo é uma das muitas razões válidas para uma visita atenta, com muito mais para ver e sentir do que poderia caber nesta crónica. Entre muitos conteúdos irrepreensivelmente tratados e colocados à disposição, está o conjunto de animações "RSA Animate". Estes trabalhos de animação a duas dimensões, muitas vezes simples - como um lápis que rabisca o que está a ser narrado, por exemplo - são quase sempre de uma eficácia cénica incrível. Atingindo milhões de visualizações "online" (há, inclusivamente, uma aplicação para "tablet" ou "smartphone" disponível gratuitamente), um dos mais surpreendentes é o "rabisco inspirado" que acompanha a conferência de Sir Ken Robinson, "Changing Education Paradigms" (Mudando os Paradigmas da Educação). Nesta, o pedagogo nascido em Liverpool, defende a mudança que considera essencial fazer na política de educação, para o futuro da Economia. O resultado da animação "a posteriori" do áudio da palestra é extraordinário e incisivo. Entre diversos postulados "animados" neste curto vídeo, está o de que muito do que se conseguiu, em termos de motivação e razão de ser para a obtenção de uma licenciatura, por exemplo, está perdido e deve ser reinventado, pois desapareceram as garantias de segurança dadas aos jovens pela simples frequência de um ciclo de ensino completo. Os nossos jovens perderam o estímulo central para se dedicarem à escola, que era o da emancipação económica; pensar que o problema está "neles" que obedecem, em vez de "nós" que mandamos, é um preconceito que não resolverá nada, apenas criará mais clivagem social e custos acrescidos nas contas públicas do futuro. O vértice empobrecedor deste preconceito está na separação artificial e dogmática entre o que é "intelectual" e o que é "económico", que chegou ao sistema de ensino por mimese dos nossos vícios e fragilidades, e deve ser reequacionado. Impossível de reverter?

Portugal conseguiu, no século XX, baixar a sua percentagem de analfabetismo de 33,6% (1970) para 9% (medidos já em 2001). É urgente assumir no discurso público este nível de exigência histórica e de responsabilização, e é de uma fina ironia - só possível num território ambíguo como a "política" - que não se coloque a importância destes factos históricos na frente de toda a acção cívica, numa altura em que o que está em jogo, precisamente, é se conseguimos (ou não) reeducar uma Economia que, neste momento, já é só Finança e prejuízo; felizmente, a grandiosidade dos feitos, quando comparada à futilidade dos líderes, postula bem de como tudo é possível neste milagre resiliente. Essa é a esperança, esse é o risco.
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