Opinião
Política e credibilidade
Há momentos em que órgãos não políticos, como os tribunais, fazem política. Ao menos no sentido de sancionarem ou não acções políticas. Isso é particularmente visível em sede dos tribunais internacionais e voltou a sê-lo por estes dias.
1 – Há momentos em que órgãos não políticos, como os tribunais, fazem política. Ao menos no sentido de sancionarem ou não acções políticas. Isso é particularmente visível em sede dos tribunais internacionais e voltou a sê-lo por estes dias. O Tribunal Internacional de Justiça, o órgão com funções judiciais da ONU, pronunciou-se sobre o genocídio de Srebrenica, num processo que foi desencadeado há 14 anos. Para lá da demora na produção da sentença, o que disse o tribunal?
Disse que tinha ocorrido genocídio sobre 8 mil muçulmanos, em cinco dias, depois da entrada das forças sérvio-bósnias em Srebrenica. Disse que os actos de genocídio tinham sido "cometidos por membros do Exército sérvio-bósnio". E disse, ainda, que aqueles actos não podiam ser atribuídos á Sérvia. Foi isto que a comunicação social, um pouco por todo o lado, descreveu como sendo a sentença do TIJ. Não é suposto que os leitores dos jornais sejam todos juristas. Também não o é que os jornalistas sejam obrigados a conhecer o direito. Mas não seria pior que procurassem inteirar-se dos contornos mais fundos de uma sentença que aparece, aos olhos da generalidade das pessoas, como risível. O que o tribunal deu como provado foi que o genocídio tinha sido praticado por soldados do exército sérvio-bósnio. Mas como a acção judicial intentada, a pedido da Bósnia-Herzegovina, o foi contra o Estado sérvio, o tribunal foi procurar a prova que incriminasse o Estado por aqueles actos. Não a encontrou. E só lhe restou ilibar a Sérvia enquanto Estado. Vale por dizer que o tribunal veio considerar, pois, que os membros do exército que praticaram os actos o fizeram a título pessoal e não em representação do Estado sérvio. A conclusão não deixa, todavia, de ser perturbadora: houve genocídio mas a Sérvia não foi responsável por ele.
Foram sérvios mas não em representação da Sérvia.
A Sérvia, disse ainda o tribunal, não terá feito tudo para impedir o genocídio. Mas não o praticou. Enquanto Estado. O que quer dizer que, no caso, a omissão de uma obrigação – a de impedir o genocídio – não chegou para ver no Estado sérvio o responsável pelos acontecimentos. Bem digo que o direito tem muito de algébrico. No raciocínio cartesiano. E na completa ausência de emoções de que, frequentemente, dá provas. Ocorre que o primeiro não chega para o credibilizar.
E a segunda tende a inculcar o contrário.
2 – A credibilidade da política decorre, por vezes, de "timmings" que esta actividade, por si só, não controla. Por lhe serem exteriores. Quando concorrem num só sentido conferem-lhe essa credibilidade. A isto há quem chame sorte. Delors foi um nome maior da construção europeia.
No seu tempo ocorreu um feixe convergente de interesses para puxar pela Europa. E ele soube ser o denominador comum desse desiderato. Santer e Prodi foram nomes menores da construção europeia. O cavalo voltou a passar e Barroso sentou-se nele. O "novo paradigma na área da energia" é a oportunidade para um novo grande desafio. Parece que Barroso o percebeu ou o usou ao falar de uma "oportunidade única para a Europa desenvolver uma estratégia integrada e consistente de energia e clima". O cavalo relincha e prepara-se para cavalgar. Ver-se-á se a trote ou a galope.
3 – A questão da regulamentação legal da interrupção voluntária da gravidez virou assunto meramente partidário. Como era de prever, desde o início do processo referendário. "Ninguém fará a lei por nós", já tinha avisado o líder da bancada do PS com toda a experiência de trincheira adquirida desde que afrontou Américo Thomaz. Quais consensos? Juntou-se ao PC e ao BE, como sempre quis e preparou o prato. Ainda simulou
a cereja. Um ou outro deputado do PSD. Estes perceberam, tarde.
Não estava na cara que ia ser assim? A credibilidade e a política andam frequentemente em corredores infinitamente paralelos.