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Opinião
17 de Junho de 2011 às 11:40

Outras eleições

(Onde o autor, em muito melhor estado cutâneo desde que o povo despachou Sócrates, pelo menos por uns 5 anos, olha diletantemente para outras eleições, as do Peru, onde não vingou o princípio "é a economia, estúpido" e se fica sem saber se, com Humala, vamos ter um Lula ou um Chavez. Very interesting).

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Eu sei que o Peru, a terra dos Incas, não interessa nem às palhinhas do Menino Jesus, o que conta é o ministro das Finanças de cá, mas a América Latina é sempre quente no jogo esquerda-direita (muitas vezes desviado para a grande querela oligarquia- revolução). Além de que - assegura a minha mulher - vou ser o único comentador que não fala de eleições depois das eleições, o que, juntamente com o meu assumido liberalismo um tanto neo, como o do Matrix, me dá um fino toque de "avis rara". A evolução económica e política peruana constitui, por outro lado, mais uma evidência da superioridade das reformas liberais, as que puseram todo o mundo emergente convencido em enorme desenvolvimento, arrastando também normalmente mudanças orientadas para a democracia, dada a própria natureza de apego às liberdades individuais que lhes está na génese e serve de quadro ideal. Temos, pois, aqui, uma outra fundamental razão para o nosso interesse, nós sofridos utentes do socialismo da bancarrota, e o nosso nem era o paleolítico, como o que pode regressar ao Peru…

Pouca gente se lembrará, mas já houve tempo em que o sistema político de lá tinha influência no nosso, e isso foi com a junta militar de coronéis, chefiada pelo general Alvarado, que, em 1968, liderou um golpe militar esquerdista e implantou um socialismo um tanto atípico e não alinhado, mas com a receita habitual de nacionalizações e economia dirigida pelo Estado. Teve eco claro em Portugal, durante o PREC, devido ao Movimento dos Capitães e o Conselho da Revolução, por fornecer a este o que então se chamava a terceira via, rumo ao socialismo, e uma certa força ideológica autónoma. O regime implantado teve, aliás, alguma popularidade no esquerdismo mundial, por conter um elemento diferenciador na acção das forças armadas, normalmente ligadas aos poderes tradicionais e oligárquicos. Em marxismo ortodoxo, não cai muito bem ver o exército a liderar um movimento revolucionário, não originado ou conduzido por classes trabalhadoras e intelectuais, actuando em nome destas, e por isso pode-se imaginar a excitação do "Libération". Como é normal, a economia entrou em colapso, mas, mesmo após o derrube em 1975, as rupturas sociais e económicas permaneceram, até devido à entrada em acção do Sendero Luminoso, movimento guerrilheiro e terrorista, simpatizante do comunismo chinês. Pobres peruanos, só lhes faltava mesmo o maoísmo e a guerra civil!

Mas, Deus é grande, e escreveu direito por linhas tortas, trazendo à Presidência o bom velho Fujimori corrupto e adepto da guerra suja então vigente, mas reformador e liberal. Também agora dentro da maior normalidade, a economia revigorou-se e entrou em forte crescimento. Fujimori acabou na prisão, numa sombra de 25 anos, mas as boas reformas lá ficaram a germinar e evoluir, ao ponto de o Peru ter encontrado o seu milagre económico com crescimento anual superior a 6% em média nos últimos 15 anos e de 8,7% em 2010 (vá de dizer que a riqueza mineral não prejudicou minimamente, mas noutros locais não serve de grande coisa).

E agora entra a perplexidade. Sendo isto assim, porque ganhou Humala, conotado com a extrema-esquerda e com o "chavismo" (esse brilhante produto que já pôs a Venezuela, rica exportadora de petróleo, com a maior inflação mundial e um dos maiores défices do planeta)? Apontam-se várias razões, a começar no facto de a oponente ser filha de Fujimori que, pelos vistos, não deixou saudades por aí além, mas a continuar no apoio concedido por parte da Direita, desde o Nobel Vargas Llosa ao ex-presidente conservador Alejandro Toledo, outro candidato vencido na primeira volta.

E agora, qual é o verdadeiro Humala, o que jura bom comportamento económico e insta o capital a voltar a investir numa bolsa em "sell-off", declarando que não se trata de socialismo mas de guerra à pobreza em espelho do Brasil , ou o compadre do preclaro Chavez? Diz um analista, antigo ministro da Venezuela: "Se começar a trazer a Constituição à baila, o melhor é fugir para as colinas". Ele sabe do que fala.




Advogado, autor de " Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença). fbmatos1943@gmail.com
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