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Os mil perigos que nos ameaçam

Ainda não há muito tempo, François de Singly, professor de Sociologia na Sorbonne, perguntava "para que abismos caminha o capitalismo?" A interrogação, por dilemática, suscita apreensões. A hegemonia norte-americana está perante economias emergentes. A unipolaridade desdobrar-se-á, inevitavelmente, pela Rússia, pela China, pela União Indiana e pelo Brasil.

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Os Estados Unidos possuem uma economia periclitante, mas parte substancial do orçamento é atribuída ao armamento. Pouco se sabe do poder bélico daquele país; no entanto, adivinha-se, suspeita-se com fundadas razões, que esse poder dispõe de dimensões aterradoras. A supremacia da América do Norte está ameaçada pela ascensão de nações marcadas pelo ressentimento de terem sido humilhadas, de uma forma ou de outra.

Jean Daniel, com os cuidados que uma reflexão desta natureza tem de suscitar, interrogava-se, em "Le Nouvel Observateur", sobre se as divisões planetárias do poder iriam acontecer sem conflitos, cujos resultados atingiriam expressões nunca vistas. A guerra atómica nunca deixou de ser uma ameaça. Apaziguada, no equilíbrio do terror da Guerra Fria, nunca foi definitivamente arredada das perspectivas de alguns locatários da Casa Branca. Recordemos o projecto Guerra das Estrelas, de Ronald Reagan. A Europa, que poderia representar um papel independente, porém dissuasor, tem capitulado do conceito de "união." Não esqueçamos que a Europa dos 27 é uma fábula, para não dizer uma ficção, dominada por forças conservadoras e, até, reaccionárias. A submissão dos seus dirigentes à política externa dos Estados Unidos chega a ser vergonhosa – tendo José Manuel Durão Barroso, antigo maoista, como seu mais ardoroso paladino.

Que fazer? Como enfrentar, pelo menos moralmente, estas forças ordenadamente antihumanas, que enegrecem qualquer resquício de liberdade? O Boletim número 4 (Junho de 2008) da União das Mutualidades Portuguesas, levantava a questão da apatia e do desinteresse que envolvem, neste caso, a sociedade portuguesa. "Pressente-se que se perdeu a esperança. É urgente que no-la devolvam, pois precisamos de voltar a moldar um rosto para o futuro." É um documento impressionante, por extremamente lúcido. Adverte que nos condicionaram, até nas minudências dos nossos mais asseados e nobres sonhos.

"Recusamos a acomodação e o conformismo, que empurram os cidadãos para a esfera dos interesses da economia privada. Este é um dos mil perigos que, neste ano crítico de 2008, nos espreitam porque com ele se encerra um insuportável ciclo de atonia mutualista. Se bem que o exercício da cidadania seja cada vez mais um acto de coragem, a ocasião abria expectativas de mudanças de fundo, que, obrigando a opções diferentes, teriam de ser tomadas por dirigentes com sentido do dever, espírito de missão e ética sólida", refere, ainda o texto inicial do Boletim.

Poucas vezes, raras vezes, nenhuma vez estes problemas cruciais têm sido abordados na chamada grande Imprensa, que de grande apenas tem o nome. A clareza da exposição não dissimula a angústia do articulista. E também não oculta o lado humanista, solidário de quem escreve. O comentário, aqui, assume a grandeza de um requisitório. Não há evasivas nem ambiguidades no dizer que todos nós corremos perigo. Todos nós, é como quem diz… De facto os mais desprotegidos estão a ser agredidos por uma economia de mercado sem leis nem regras. Somos o povo europeu com os mais baixos rendimentos, com uma taxa de iliteracia alarmante, com uma faixa de desemprego que se alarga, com uma emigração que regressa aos níveis da década de 60 - e o que se lê são editorialistas sem perigo, articulistas estipendiados, gente com medo de escrever o que vê e que, em consciência, deveria denunciar.

A política da globalização, tão apregoada como o supremo benefício da humanidade, e a sua componente ideológica, abriu fossos abismais entre os mais ricos e os mais pobres: estes, tocam as raias da miséria; aqueles, vivem uma existência sumptuariamente escandalosa. "Como sabemos, a economia social é guardiã dos valores humanos. O primado da pessoa sobre o capital, a ausência de fim lucrativo, a gestão democrática participativa, o exercício do poder estabelecido com base na regra de um associado um voto, e a independência em relação a partidos constituem os seus princípios institucionais", lê-se, ainda no Boletim. Sugere-se que é necessário e urgente investigar-se as novas figuras de autoridade, tanto na política, na economia como no mutualismo, entendendo-se este como um poderoso laço social.

O que nos é propagado como a "modernidade mais avançada" não passa de um ludíbrio. As instituições contemporâneas abdicaram dos conceitos de alternativa. Os partidos assemelham-se uns aos outros, oscilando entre o tratamento igualitário (público) e o tratamento diferenciado (privado). Não há discussão sobre a falta de alteridade. Há dias, o Observatório para a Saúde, classificou o dr. Correia de Campos como "insensível" e "incompetente" num somatório claro de uma acção política que não tendia a melhorar o Serviço Nacional de Saúde, mas sim a destruí-lo. Neste assunto, as críticas e acusações veementes do dr. António Arnaut não sofrem contestação. Apenas alguns "socialistas" instantâneos, como o pudim flan, rosnaram umas maledicências sobre o honrado ex-ministro da Saúde. Entre alguns "mimos", a deselegância dos "camaradas" chegou ao ponto de, trocistamente, o designarem da "velha guarda." Lembro-me, a propósito, de Fernando Piteira Santos, o grande resistente, e uma das mais lúcidas cabeças portuguesas. Certa ocasião, uma jornalista, tão azougada quanto ignorante, disse-lhe, a despropósito: "Mas o senhor é um político da velha guarda." E Piteira Santos, logo a seguir: "E a menina de que guarda é?, da guarda republicana?"

Estamos perante uma avassaladora ofensiva do capitalismo mais odiento. Em todos os sectores a ameaça começa a ser extremamente perigosa. Até o Movimento Mutualista, cujo objectivo é criar uma relativa igualdade, e instituir o princípio de que os laços sociais têm de ser cada vez mais reforçados - até o Movimento Mutualista está a enfrentar um ataque contra a sua liberdade e a sua identidade.

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