Opinião
Os maus exemplos vêm "de cima"
A dr.ª Manuela Ferreira Leite, eivada daquela caridade cristã que define o seu doce coração
A dr.ª Manuela Ferreira Leite, eivada daquela caridade cristã que define o seu doce coração, disse, na SIC Notícias, num curioso programa dirigido por Ana Lourenço, que os doentes com mais de 70 anos, devem pagar hemodiálise. Infere-se, por oposição, o seguinte: quem não tiver dinheiro, que morra!, sobretudo a partir dos 70. Nessa altura, já cá não fazem falta nenhuma. Um pouco assustado, António Barreto confessou ter aquela idade fatal. E, mesmo sem o dizer, o dr. Balsemão tem mais de 70. Os celtas resolviam a questão com a presteza de quem não tem tempo a perder: atiravam os velhos dos penhascos.
Aqui, corta-se nos vencimentos dos reformados, aumentam-se as taxas moderadoras e até os enterros estão mais caros, devido aos impostos. A dr.ª Manuela tem dito coisas que bradam aos céus. Aquela declaração foi uma delas. Já antes, a fim de se pôr uma certa ordem no caos português sugerira a interrupção, por modestos seis meses, da democracia. A senhora esteve à beira de se tornar presidente do PSD e, por decorrência, acaso as bússolas da fortuna andassem avariadas, primeira-ministra. Que susto!, embora este, em que vivemos, não seja menor.
"Contra-Corrente" é o nome do programa em referência, no qual um luminoso conjunto de sábios discreteia sobre o nosso mundo e os nossos destinos. Devo dizer aos meus pios leitores que aguardei, arfante de curiosidade, a opinião dos preopinantes. Nada que as pessoas não soubessem. Com este tipo de programação, repetitiva e inócua, a Impresa não vai lá. Com excepção de Sobrinho Simões, que foi dizendo coisas válidas por acertadas, os outros debitaram mais do mesmo que todos dizem. Até António Barreto só disse banalidades. Vitorino, coitado!, é uma irrelevância.
O tropo que interessava seria a discussão sobre a promiscuidade entre política, negócios e partidarite. A ida em massa, para a administração da EDP, de militantes destacados do PSD e do CDS mereceu umas desatenções embargadas. Entretanto, soube-se que, para a empresa Águas de Portugal, vão dois militantes do PSD. As coisas são como são, mas não deveriam sê-lo, após as veementes declarações de princípio do dr. Passos Coelho, que se antagonizava com os "jobs" concedidos pelo PS aos seus "boys." Na realidade, estamos fartos desta vilanagem endémica. A política tornou-se a questão central do regime; mas, em vez de se abordar e analisar o problema, as minudências transformam-se em campanha de jornais, como o assunto da Maçonaria.
Pleitear-se a causa de que os detentores de cargos públicos terão de revelar as suas opções filosóficas pode abrir a caixa de Pandora, cujos resultados são imprevisíveis. Só a alusão a esta dissimulada caça à bruxas faz arrepiar. É claro que este fogacho não passa de isso mesmo: um fogacho (como o espaço atribuído a Paco Bandeira, um caso doméstico, com a importância menor que a sua própria natureza merece) para remover das cabeças das pessoas os tormentos que as apoquentam. O jornalismo português entrou numa fase degenerativa perturbadora. A impreparação demonstrada pelos seus empregados é de fugir. Não se trata de jornalistas, embora, certamente, todos agitem como credencial os níveis das graduações. Seria impensável, perante as situações políticas vigentes, as afirmações insanas de altos dirigentes partidários e a pouca-vergonha a que se assiste, no regabofe das nomeações - que uma Imprensa responsável e decente estivesse calada. Mas está.
Pergunto-me e os meus velhos amigos e camaradas perguntam-se: que ensinam, nos cursos de jornalismo, a estes jovens? Tornou-se moda, nas televisões, sem excepção, tratar as pessoas pelo primeiro nome, modo abusivo de se forçar uma intimidade tão absurda, como irrespeitosa, por despropositada. Assim como esta falsa familiaridade está longe de corresponder à teia reticular de afecto, necessária entre receptor e mensageiro, a preguiça no estudo, o desleixo pelo idioma, a ignorância impante fornecem um retrato muito poço lisonjeiro do jornalismo que se pratica.
Os exemplos provindos "de cima" são de molde a fugirmos deles a sete pés. A cultura do facilitismo, do dinheiro e do mais feroz individualismo parece ter adquirido carta de alforria. Quando se fazem exigências atrozes aos sectores mais débeis da sociedade portuguesa, e se tornam públicos os vencimentos faraónicos de alguns sujeitos, procedentes dos partidos "de poder", tudo é permitido. Como se diz nos "Irmãos Karamazov", de Dostoievski. W
b.bastos@netcabo.pt
Aqui, corta-se nos vencimentos dos reformados, aumentam-se as taxas moderadoras e até os enterros estão mais caros, devido aos impostos. A dr.ª Manuela tem dito coisas que bradam aos céus. Aquela declaração foi uma delas. Já antes, a fim de se pôr uma certa ordem no caos português sugerira a interrupção, por modestos seis meses, da democracia. A senhora esteve à beira de se tornar presidente do PSD e, por decorrência, acaso as bússolas da fortuna andassem avariadas, primeira-ministra. Que susto!, embora este, em que vivemos, não seja menor.
O tropo que interessava seria a discussão sobre a promiscuidade entre política, negócios e partidarite. A ida em massa, para a administração da EDP, de militantes destacados do PSD e do CDS mereceu umas desatenções embargadas. Entretanto, soube-se que, para a empresa Águas de Portugal, vão dois militantes do PSD. As coisas são como são, mas não deveriam sê-lo, após as veementes declarações de princípio do dr. Passos Coelho, que se antagonizava com os "jobs" concedidos pelo PS aos seus "boys." Na realidade, estamos fartos desta vilanagem endémica. A política tornou-se a questão central do regime; mas, em vez de se abordar e analisar o problema, as minudências transformam-se em campanha de jornais, como o assunto da Maçonaria.
Pleitear-se a causa de que os detentores de cargos públicos terão de revelar as suas opções filosóficas pode abrir a caixa de Pandora, cujos resultados são imprevisíveis. Só a alusão a esta dissimulada caça à bruxas faz arrepiar. É claro que este fogacho não passa de isso mesmo: um fogacho (como o espaço atribuído a Paco Bandeira, um caso doméstico, com a importância menor que a sua própria natureza merece) para remover das cabeças das pessoas os tormentos que as apoquentam. O jornalismo português entrou numa fase degenerativa perturbadora. A impreparação demonstrada pelos seus empregados é de fugir. Não se trata de jornalistas, embora, certamente, todos agitem como credencial os níveis das graduações. Seria impensável, perante as situações políticas vigentes, as afirmações insanas de altos dirigentes partidários e a pouca-vergonha a que se assiste, no regabofe das nomeações - que uma Imprensa responsável e decente estivesse calada. Mas está.
Pergunto-me e os meus velhos amigos e camaradas perguntam-se: que ensinam, nos cursos de jornalismo, a estes jovens? Tornou-se moda, nas televisões, sem excepção, tratar as pessoas pelo primeiro nome, modo abusivo de se forçar uma intimidade tão absurda, como irrespeitosa, por despropositada. Assim como esta falsa familiaridade está longe de corresponder à teia reticular de afecto, necessária entre receptor e mensageiro, a preguiça no estudo, o desleixo pelo idioma, a ignorância impante fornecem um retrato muito poço lisonjeiro do jornalismo que se pratica.
Os exemplos provindos "de cima" são de molde a fugirmos deles a sete pés. A cultura do facilitismo, do dinheiro e do mais feroz individualismo parece ter adquirido carta de alforria. Quando se fazem exigências atrozes aos sectores mais débeis da sociedade portuguesa, e se tornam públicos os vencimentos faraónicos de alguns sujeitos, procedentes dos partidos "de poder", tudo é permitido. Como se diz nos "Irmãos Karamazov", de Dostoievski. W
b.bastos@netcabo.pt
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