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20 de Novembro de 2008 às 13:00

Os conventos e os contentores

O Governo prepara-se para vender cerca de 200 imóveis militares. Tem estado a vender outros edifícios em zonas históricas. Muitos têm interesse estratégico para o turismo e qualidade de vida das cidades. Poderão ter muito mais impacto do que os contentores de Alcântara. É importante discutir esta questão.

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Ao mesmo tempo que se discute acaloradamente o que fazer com uma zona da frente de rio que fica por baixo de uma ponte, há quilómetros de frente de rio e de mar, bem como das zonas históricas de Lisboa, desaproveitados há muitos anos e sobre os quais ninguém fala.

Quem siga à beira rio (e depois beira-mar) de Vila Franca de Xira até Cascais facilmente percebe o enorme de desperdício de espaço nobre à beira Tejo que preenche estes mais de 50 quilómetros. Entre Vila Franca de Xira e Alhandra foi aberto recentemente um corredor de três ou quatro quilómetros com forte impacto na qualidade de vida das populações. A iniciativa é extremamente positiva, mas esteve à espera todos estes anos.

No outro extremo temos toda a marginal. Neste caso, mais de dois terços das áreas que estão entre a marginal e o mar estão absolutamente desaproveitadas. Na Cruz Quebrada há toda uma enorme área entregue a armazéns semi-abandonados. Segue-se uma série de instalações militares e pequenos fortes sem qualquer interesse estratégico, mas dos quais o exército não abre mão. Em São João há o celebre forte onde Salazar caiu da cadeira, que está caído em esquecimento. A lista não termina aqui. Continua pelo interior de Lisboa. O convento da Graça e o quartel do Carmo não estão na frente de rio, mas são espaços de onde se pode desfrutar de vistas de rio porventura mais espectaculares do que na beira do Tejo. Todos estes espaços estiveram durante anos a ser usados para quartéis desactivados, esquadras da GNR, armazéns, ou outros fins ainda menos nobres.

Foram vazios urbanos com um impacto extremamente negativo na qualidade de vida da cidade de Lisboa. Foram recursos desaproveitados para a cidade e para o país.

Neste momento, o Governo, de acordo com a Lei de Programação das Infra-Estruturas Militares (LPIM), propõe-se alienar 189 imóveis espalhados por todo o país. É extremamente positivo que estes bens sejam abertos à sociedade. Na LPIM prevê-se que a alienação seja feita segundo diferentes fórmulas, que vão da venda ao arrendamento, passando por concessões e parcerias. É importante estar atento a que o Estado garanta o interesse público no caso de monumentos e de edifícios com uma implantação única na malha da cidade, evitando, nestes casos, a venda e optando por outro tipo de contratos.

Hoje, Lisboa tem uma escassez enorme de hotéis nas zonas histórica. Tem, também, uma falta de habitação de qualidade na malha antiga da cidade, o que a tem condenado ao envelhecimento. Lisboa e os arredores têm também uma enorme escassez de hotéis na frente de rio. São oportunidades não aproveitadas numa cidade que tem no turismo uma importante actividade. O turismo e o lazer são claramente compatíveis.

Já as infra-estruturas portuárias colocam um desafio maior à compatibilização entre os fins múltiplos que a frente de rio tem de servir. Os contentores de Alcântara têm um impacto que é indiscutível. É importante discutir se há outras alternativas. É importante reconhecer que tecnicamente não é fácil colocar os barcos que conseguem atracar em Alcântara em muitas outras zonas do Tejo. Outro desafio importante é o colocado pela nova ponte, que também terá um impacto negativo na frente de rio, possivelmente superior ao dos contentores.

É também importante nesta questão manter alguma seriedade nos argumentos. Lisboa abdicar de ter um porto de mar com escala é dar um tiro no pé da sua própria competitividade. O custo de transportar por terra um contentor desde Setúbal até Lisboa pode, em alguns casos, ser tão elevado como o de o levar de Lisboa (ou Setúbal) até ao Brasil. Há muito que se fala de Lisboa passar a ser um dos portos que abastece a Europa, e em particular a cidade de Madrid. Abastecer a cidade a partir da outra margem da ponte 25 de Abril, uma infra-estrutura muito congestionada, pode ser um problema.

Em conclusão. Discutir a frente de rio e o lazer em Lisboa centrando-se nos contentores de Alcântara é extremamente redutor. Há muito mais áreas desperdiçadas e algumas em prol de coisa nenhuma. Há oportunidades importantes que a LPIM está a abrir não só em Lisboa como por todo o país, que devem ser discutidas e aproveitadas de forma estratégica. Seria trágico se edifícios como o quartel do Carmo, o convento da Graça, a esquadra da GNR a 100 metros do Castelo de São Jorge não fossem aproveitados como verdadeiros projectos de interesse nacional, o mesmo acontecendo com todas as zonas que enquadram a marginal até Cascais e com outros edifícios históricos que já se confirmou que estão à venda, como o convento de Santa Clara (em Coimbra) com a vista excepcional que tem sobre a cidade.

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