Opinião
Os cinquenta anos do Tratado de Roma
No passado dia 25 de Março completaram-se cinquenta anos sobre a assinatura do Tratado de Roma que, como é sabido, instituiu a Comunidade Económica Europeia, a antecessora da actual União Europeia. Não se trata, verdadeiramente, do início da integração eu
Não se trata, verdadeiramente, do início da integração europeia já que é mais correcto situá-lo em 1952, quando foi criada a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – CECA. No entanto, a assinatura do Tratado constitui um momento fundamental na afirmação de todo o projecto na medida em que, não apenas reconhece e aprofunda o sucesso da experiência anterior – desenvolvida num plano sectorial e caracterizada, fundamentalmente, por preocupações de natureza política, específicas do final da guerra – como abre definitivamente a passagem para um plano superior de integração económica, incluindo mesmo a perspectiva de uma integração política futura.
Neste sentido, o Tratado de Roma deve ser visto como um marco decisivo no contexto do relacionamento interno europeu, com a arquitectura de um projecto voluntário de construção de uma realidade supranacional a partir das realidades nacionais existentes e pondo de lado as rivalidades históricas que até aí se haviam produzido.
Atingir cinquenta anos de vida constitui, normalmente, uma ocasião para se proceder a balanços de realizações e fracassos. Há que ter presente, no entanto, que na vida das comunidades e das instituições a dimensão temporal é complexa e os balanços são sempre circunstanciais e relativos. A tentação, natural, de aproveitar a efeméride para proceder a uma avaliação do que o processo de integração europeia trouxe à História da Europa e ao mundo, deve ser acautelada pela consciência de que se observa uma experiência em movimento e com as referências analíticas que essa mesma experiência produziu para se autojustificar, nas suas finalidades e opções fundamentais.
E julgo que é precisamente aqui, no plano das referências, que reside um dos problemas fundamentais que está na origem da crise actual do projecto de integração europeia.
As actuais gerações de europeus – isto aplica-se sobretudo aos países da antiga Europa Ocidental, onde tudo começou – confrontam-_-se, pela primeira vez, desde o início do projecto de integração europeia, com a perspectiva de virem a viver pior no futuro do que viveram no passado e não deixam de associar isso, em larga medida, aos mais recentes desenvolvimentos da integração europeia, com a introdução do euro e o alargamento para leste. Por outro lado, o discurso dos responsáveis políticos que antes manifestava preocupações com problemas mais concretos, como o desemprego, o crescimento económico, ou o bem-estar social, foi substituído por um discurso mais afastado do quotidiano, com incidência nos temas da competitividade, da energia, do ambiente, da segurança, etc. que, não deixando de reflectir os problemas da realidade económica actual, não deixa, também de reflectir uma subordinação das finalidades do desenvolvimento económico e social aos seus aspectos mais instrumentais.
Este desligamento do projecto de integração europeia de uma aposta concreta na melhoria do bem-estar económico e social das populações – perspectiva esta que esteve sempre presente em todos as etapas decisivas da construção da realidade europeia actual – reforçou-se, ainda, pela difusão da ideia de que é o próprio modelo social europeu o responsável pelos problemas de quebra de dinamismo e de perda de competitividade da economia europeia, face às suas congéneres americana e asiáticas.
É sintomático que as comemorações dos cinquenta anos do Tratado de Roma tenham passado relativamente desapercebidas em todo o lado. As populações estão preocupadas sobretudo com o presente e as conquistas do passado não chegam para alimentar as esperanças no futuro. Por outro lado, os responsáveis políticos não cuidaram de oferecer algo de novo em termos de construção europeia, para além da insistência na reabilitação do projecto de Constituição que, tal como está, e nas condições que se perspectivam, se arrisca a ser um novo fiasco.
O projecto de integração europeia foi um projecto notável, na sua concepção e no seu desenvolvimento concreto, e constituiu mesmo a referência em torno da qual se processou grande parte da arquitectura económica e política do mundo actual. E não há razões para que assim não continue a ser, se for possível recuperar a especificidade da sua ideia original que era a de um projecto voluntarista, de construção de uma realidade económica e política solidária, centrada no cidadão e orientada para o desenvolvimento nas suas múltiplas dimensões.
Fora desta perspectiva a Europa, enquanto projecto de integração regional, perde a sua razão de ser. E terá tendência a diluir-se progressivamente no contexto das dinâmicas mais gerais da globalização económica, vendo aumentar as suas contradições internas e, simultaneamente, a sua fraqueza para se afirmar como referência, no plano interno e externo.
O futuro da Europa vai depender, em grande medida, da resposta que conseguir dar a duas grandes questões que, paradoxalmente, têm a ver com os seus principais sucessos: o euro e o alargamento. A primeira prende-se com a necessidade de a moeda única deixar de estar associada a políticas restritivas e de estagnação económica para passar a ser vista como um instrumento de crescimento e de construção de uma realidade económica coesa e equilibrada de dimensão europeia. A segunda prende-se com a necessidade de definir com rigor os limites geográficos da integração.
São duas questões que, em última análise, remetem para uma outra, mais profunda, que é a de saber se não terá chegado a hora de rever o próprio projecto de integração europeia no seu conjunto.