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24 de Julho de 2003 às 10:55

Objectivos no Estado...

Se as coisas não acontecem na Administração Pública não tem a ver com a competência ou qualidade de trabalho dos seus técnicos, mas com a deficiente liderança e o fraco enquadramento, estreitamente ligado ao poder político.

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Gosto de falar dos assuntos com conhecimento de causa e não falar por falar. Para falar sobre o assunto na moda – trabalhar por objectivos na Administração Pública – vi-me obrigado a recuar até aos idos anos 80 quando fui funcionário público e tentar imaginar o que seria desenvolver as funções que me estavam atribuídas com um sistema de avaliação baseado em objectivos.

A primeira questão que se coloca é que objectivos? Políticos ou funcionais? A segunda questão tem a ver com quem define os objectivos, sabendo como a dança de chefias é a música que mais toca na Administração Pública. A terceira tem a ver com quem avalia se e como os objectivos foram atingidos.

Questão não displicente quando sabemos como as orientações políticas mudam e como o que hoje está certo amanhã estará profundamente errado.

Mas vamos ao concreto. Os quadros técnicos da Administração Pública são, por norma, pessoas empenhadas e grandes trabalhadores que se desmotivam com facilidade porque vêem com demasiada frequência o seu trabalho ser deitado fora porque o chefe mudou ou a política é outra.

Se as coisas não acontecem na Administração Pública não tem a ver com a competência ou qualidade de trabalho dos seus técnicos, mas com a deficiente liderança e o fraco enquadramento, estreitamente ligado ao poder político. E aí, vamos ser realistas, não há nada a fazer em sistemas democráticos.

Vejamos um exemplo muito real porque vivido por mim. Em 1987 fui encarregado de controlar se as empresas que pediam subsídios para formação de formadores tinham estrutura e condições para desenvolver a formação para a qual pediam para serem subsidiados.

Fácil de definir objectivos em tarefas destas. O problema só surge quando me pedem para, sozinho, controlar 1400 empresas, indo ao local e fazendo relatório individualizado, entre Novembro e Março, sem verba para deslocações, tendo que utilizar viatura própria à minha custa.

Politicamente o meu chefe tinha cumprido o seu objectivo: criar uma estrutura de controlo da aplicação dos subsídios, antes da atribuição. De facto é uma farsa.

Outro exemplo. Havia que gastar as verbas de pré-adesão ou elas seriam devolvidas a Bruxelas. É criado um grupo de trabalho com o objectivo de criar dez centros de formação profissional em todo o país, com perfis do pessoal a recrutar, programas de formação a ministrar e projectos de engenharia e arquitectura.

Trabalhou-se noite e dia durante sete dias por semana ao longo de três meses. No final houve um acordo político e o trabalho foi todo deitado fora. Que objectivo se vai pagar aqui?

Todos os leitores que trabalharam ou trabalham na Administração Pública têm milhares de histórias destas para contar, provando à saciedade que o problema da inoperância do Estado não está nos seus técnicos, gente do mais empenhado e competente que conheci, mas nas indefinições estratégicas, no trabalhar para as aparências e na falta de competências de liderança.

É fácil atacar os funcionários públicos, principalmente quando não se teve a experiência de trabalhar para o Estado. E vão poder continuar a atacá-los, pois não é com medidas demagógicas como a implementação de modelos ultrapassados de gestão de recursos humanos que se vai melhorar o que quer que seja. A maioria dos trabalhadores da Administração Pública são grandes trabalhadores que com o conveniente enquadramento e com linhas estratégicas claras e definidas iriam surpreender muita gente.

Por Artur Fernandes
Publicado no Jornal de Negócios

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