Opinião
O verdadeiro défice
Estranho sentimento este que trespassa a alma lusitana. Entre a resignação e a desilusão deambula para rumo incerto a alma portuguesa.
Aceitando como infortúnio da sorte os erros que só ao homem pertencem, perde-se em lamentos, em queixumes e em mal dizeres.
Reclama mas não reage, critica mas não responsabiliza, acusa tudo mas não julga ninguém.
É uma estranha terra do nunca, onde tudo se passa mas nada acontece.
A agenda política é marcada pela sombra dos problemas como se vivêssemos na alegoria da caverna. A sombra que está na moda tem nome: é o défice orçamental, mas o nosso verdadeiro défice é de auto-estima e é na falta de auto-estima que reside a base dos problemas económicos.
Aceitamos o infortúnio como inevitável apenas para fugir à responsabilidade de assumir o confronto. Mas é de confronto, de coragem, de responsabilidade que o país precisa. Há perguntas que ficam por fazer mas o regresso à realidade impõe que sejam feitas, nomeadamente:
- Poderá o Presidente da Comissão, José Barroso, desencadear o procedimento contra o Estado português por défice excessivo tendo sido o próprio o principal responsável?
- O Presidente do Banco de Portugal só tem conhecimento do estado real das finanças públicas quando é constituída uma comissão própria? O que fazem tantos altos quadros no Banco de Portugal (Cavaco Silva, Manuela Ferreira Leite, etc..)?
- Algum partido tem legitimidade política para governar um país, quando dois meses após a tomada de posse faz o contrário de tudo o que escreveu no Programa eleitoral?
- A desculpa da ignorância do défice não convence porque a questão é política. O PS e José Sócrates escreveram, e bem, no programa eleitoral, que o equilíbrio das contas tem de ser alcançado por via da contenção de despesa ao invés do agravamento da carga fiscal. É uma estratégia que espelha uma convicção, não é mera opinião. A verdade de ontem já não é verdade hoje? As convicções do PS só têm validade de dois meses?
- Não é estranho o silêncio do Ministro da Economia?
- E o Presidente da República? Pode deixar impune um governo que trai o programa em que os portugueses votaram?
É tempo de rasgar este limbo lamacento, esse tal nevoeiro de que fala José Gil, é tempo dos portugueses se assumirem como cidadãos.