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16 de Março de 2006 às 13:59

O sobrepeso

A reforma do sistema político é absolutamente inadiável se queremos atacar de frente a nossa máquina burocrática e reduzir a despesa pública. Haverá consciência disto?

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Miguel Cadilhe, ex-governante e um dos mais renomados economistas da actualidade, vem agitando, nos últimos tempos, propostas verdadeiramente inovadoras, propondo-se, nomeadamente, reformar o Estado através da redução substancial do número de servidores da Administração Pública.

Em seu entender, é necessário retirar da Função Pública mais de 200 mil funcionários e reduzir de 40 % para 27% a 30 % a percentagem das despesas sobre o OE do funcionamento da Administração. Isto porque considera que há um sobrepeso - um peso excessivo - com o funcionamento da máquina do Estado, ainda por cima uma máquina que está, como todos sabem, emperrada, pouca produtiva, quantas vezes ineficaz.

Para reduzir o número de funcionários - em quatro anos - aponta uma lógica de contratualização das saídas. Que deseja amigáveis, através de um esquema de indemnizações. Para que o valor destas não seja um peso no Orçamento Corrente do Estado, sugere a criação de um Fundo, o FEI - Fundo Extraordinário de Investimento, que seria provido, com receitas várias, de que destaca a venda de ouro do Banco de Portugal.

Cadilhe chama a este Fundo, de Investimento, por considerar que a redução dos efectivos da Administração Pública é uma condição «sine-qua non» para a modernização administrativa e, por consequência, para a construção da alavanca indispensável à dinamização da nossa capacidade produtiva.

Esta proposta, que não vimos muito discutida e ainda menos contraditada, deve estar a ser acolhida em muitos meios com um sorriso amarelo. Noutros, designadamente nos sindicais, como uma proposta absurda. Os primeiros estarão a pensar que só um atrevido é que se poderia lembrar de mexer no ouro do Banco de Portugal. Neste sentido, terão tendência para acreditar que se trata de uma ideia voluntariosa que, como muitas outras ideias ousadas, cairá no esquecimento. Os sindicatos, por natureza, gostam da luta, do confronto, do conflito social. Não se manifestam ainda por entenderem que não é este o momento adequado. Mais uma vez não têm razão, porque deixar apodrecer a Função Pública na actual conjuntura é condenar a próxima geração a pesados sacrifícios.

Temos para nós, porém, que a sociedade portuguesa não está preparada para acolher uma reforma tão ousada, como aquela que é proposta por Miguel Cadilhe. Dois ou três breves exemplos ilustram bem esta nossa maneira de não enfrentar a sério as coisas, pensando que não é nada com cada um de nós.

Vejamos: era suposto que a reforma administrativa encetada (com pouco êxito) no Governo de Durão Barroso, que levou à criação das chamadas Comunidades Urbanas, visasse a descentralização de algumas funções até agora detidas pela Administração Central, levando à redução dos seus efectivos. Alguém deu por esta redução?

Atentemos agora na anunciada tentativa ousada de fundir algumas freguesias e até municípios. Faz algum sentido a existência de freguesias em grandes centros urbanos, como Lisboa e Porto, com menos de quinhentos eleitores? Não faz e há muitas. Pois bem, esta proposta de redução foi muito mal acolhida nas freguesias a extinguir, não porque se tivesse perguntado aos fregueses respectivos se nisso viam algum inconveniente, mas porque os titulares dos órgãos autárquicos viram na medida a perda eventual de algumas mordomias.

Faz algum sentido existir um município, como por exemplo o do CORVO, na Região Autónoma dos Açores, com menos de duzentos eleitores? Com Presidente da Câmara, Vereadores, Finanças, Guarda Fiscal, etc, etc, etc. Então não se está mesmo a ver que a solução seria integração do dito território - que até é uma ilha - no Município vizinho das Flores? E não é que Canas de Senhorim se quer autonomizar também em concelho, uma freguesia com menos de dois mil e quinhentos eleitores? Não há nestes exemplos um evidente sobrepeso de Estado?

O mais grave é que os órgãos autárquicos não se coíbem de reclamar, como sucedeu há dias no Congresso da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE ), por receitas mínimas através do Orçamento do Estado! Foi reivindicada uma verba mínima de 30 mil euros para cada freguesia, independentemente do número de eleitores. Veja-se: são 6 mil contos por ano, ou seja 500 contos por mês - supostamente para despesas correntes de funcionamento. Pergunta-se: não há nesta proposta um evidente sobrepeso para o erário público?

E o mesmo acontece sempre que se fala em redução do número de deputados na nível da Assembleia da República, nas Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, nas Assembleias Municipais. Mas o sobrepeso também existe, neste sistema semi-presidencialista que obriga a que o inquilino de Belém tenha de construir, à sua volta, um verdadeiro governo sombra para conduzir a sua magistratura de influência, ou, como agora se diz, a sua cooperação estratégica. Quanto é que custa ao OE o gigantismo parlamentar ou este pouco eficaz sistema semi-presidencial?

Também a reforma do sistema político é absolutamente inadiável se queremos atacar de frente a nossa máquina burocrática e reduzir a despesa pública. Haverá consciência disto?

Duvidamos.

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