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12 de Dezembro de 2006 às 13:18

O que é global é bom?

Na semana passada, o Arsenal FC veio jogar ao Porto. O Arsenal FC foi fundado nos finais do século XIX por um grupo de trabalhadores londrinos de uma fábrica de armamento.

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Na semana passada, o Arsenal FC veio jogar ao Porto. O Arsenal FC foi fundado nos finais do século XIX por um grupo de trabalhadores londrinos de uma fábrica de armamento.

A sua filosofia, comum a outros clubes ingleses, foi, como é, a de promover um modo de jogar "muito inglês", lembrando sempre ter este jogo a marca inventiva de Inglaterra. Jogado por ingleses.

Na semana passada, o Arsenal jogou no Porto sem um único jogador inglês nos 90 minutos da partida.

O Arsenal é o último exemplo, dos muitos que, um pouco por toda a parte, se inventariam e que determinam que Mancini ande às voltas no túmulo. O princípio das nacionalidades que formulou, mais ou menos na mesma altura da fundação do Arsenal, tinha como ponto assente e adquirido que a cada Nação correspondia um Estado e a cada Estado uma Nação.

Mais: o princípio, sustentava o autor, era o "que atribui a cada Nação a soberania de si mesma e de todo o seu território". Por essa altura, a única excepção a este mundo assim arrumado era inofensiva e útil: a União Postal Universal - a primeira organização a prever a globalização, que por aí havia de irromper um século mais tarde e não propriamente anunciada em cartas de amor.

Quando, em 1989, o muro de Berlim caiu, um colega de Direito Público da Universidade de Estrasburgo desabafava, entre o estupefacto e o desiludido: "estava tudo tão certo e agora vamos ter de estudar tudo outra vez". O primeiro "tudo" que estava certo era a arrumação do mundo em dois blocos e dentro do mundo a arrumação da Europa em dois lados.

O segundo "tudo" era o que resultou da desarrumação do mundo em geral e da Europa em particular. Mas para além destes dois "tudos", havia um outro subentendido e que decorria do princípio formulado por Mancini. Era a ideia de que em cada Estado quem mandava era a Nação.

Que punha e dispunha dentro de si. Sabe-se que hoje nada disto se passa. É impossível que cada Estado ou cada Nação disponham de si, isolados dos demais. Como impossível é que cada Nação viva em fortaleza, incólume ao que se passa à sua volta, em todo o resto do mundo. As sofisticadas comunicaçõesmóveis, a net e toda a panóplia instrumental que ajuda (e da qual, afinal, depende) a circulação de pessoas, bens e serviços, dentro e fora da União Europeia impossibilitam um regresso ao passado. E, contudo, a pergunta não deixa de ser formulada: o que é global, é bom?

Aparentemente, a esta pergunta o mundo parece responder com resignação. Não se trata de ser bom ou mau, é inevitável e, portanto, não importam estados de alma. Mas as coisas não são, uma vez mais, tão simples e, sobretudo, tão inevitáveis. Um pouco por todo o lado começam a surgir (ou ressurgir noutro contexto) sinais de vitalidade da Nação. Apartir, sempre, de dois veículos instrumentais: a língua e a cultura. Tem sido assim com os bascos,

desde há muito, independentemente dos terroristas. Foi assim, recentemente, com a Catalunha e mais o seu estatuto. Foi assim, ainda mais recentemente, com o Quebeque e com a resolução aprovada pelo Parlamento nacional canadiano. Sendo de lembrar

situar-se o Canadá em sexto lugar na tabela dita do "top da globalização". É possível que haja, nestes sinais, bolsas de resistência activa à globalização.

Mas é mais crível que não ocorra essa consciência activa e que, simplesmente, as pessoas se sintam bem com referências de proximidade. É possível que as pessoas pensem que o global possa ser bom ou inevitável ou o que seja, mas que o que aqui está por perto seja melhor.

Se for assim, como suspeito que seja, tinha razão um amigo de Mancini, Cavagliere, que, por essa altura, advertia que "a Nação é antes de tudo um produto psicológico e histórico".

Disse-o claramente, poucos anos depois de ter sido fundado o Arsenal.

 

Jurisconsulto

Universidade Católica e Simmons & Simmons Rebelo de Sousa.

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