Opinião
O perdão de Sócrates
O Programa de Governo, que hoje começa a ser discutido no Parlamento, dá do Governo uma imagem ôca, mas recheada de princípios e boas intenções.
José Sócrates prepara-se para conseguir o impossível: os portugueses deram-lhe um cheque em branco para governar em estabilidade e, o já primeiro-ministro, apresenta-se com uma cópia cheia de nada.
Em matéria fiscal o vazio da proposta de Governo é sintomática. O programa não explica como vai o ministro das Finanças reduzir o peso da despesa pública, mas Sócrates promete reduzir o défice orçamental sem aumentar os impostos. Espera-se que a promessa seja para cumprir. Portugal não pode continuar a contrariar a tendência europeia de descida da carga fiscal - veja-se o recente caso da Alemanha - sob pena de comprometer uma pseudo retoma da economia cujos efeitos, na verdade, continuam sem se fazer sentir. Mas mais importante, porque qualquer aumento dos impostos não mais fará do que permitir ao Executivo uma desculpa para adiar novamente a indispensável redução da despesa pública.
Como ultrapassar, então, no imediato, a necessidade de trazer o défice para baixo dos 3% do PIB? A resposta nunca poderá passar por uma única solução, mas parte da resposta poderá estar escondida no próprio Programa de Governo. Cavaco Silva utilizou-a, António Guterres e Durão Barroso copiaram-na. «Estabelecimento de um plano de emergência para eliminação dos processos de infracção fiscal e de cobrança coerciva de dívidas fiscais pendentes» é uma das propostas apresentadas. Pode não passar de mais um chavão, mas a sua tradução é simples: perdão fiscal. Ou processo extraordinário de regularização de dívidas ao fisco e à segurança social, como os sucessivosm governos, pomposamente gostam de lhe chamar.
Luís Campos e Cunha, o novo ministro das Finanças, poderá mesmo jurar que será a última oportunidade de o fazer. Afinal de contas, Eduardo Catroga fê-lo, Sousa Franco também e Ferreira Leite também não se deixou ficar. É uma ajuda para as contas públicas e muitos contribuintes vão agradecer. Só arrasa qualquer tentativa séria de combater a fraude e a evasão fiscal, mas também quem é que ainda acredita que tal venha a acontecer.