Opinião
O impossível Adamastor!
As crianças com nomes mais atractivos são mais populares e as baptizadas de forma «mais original» acabam por ser muitas vezes menos bem sucedidas a nível escolar e laboral.
Mia! Não o escritor (Mia Couto) mas outro seu xará moçambicano, quis legar o nome em versão júnior ao filho já nascido em Portugal. Mia Júnior, pois então, por força de segunda geração, lhe parecia bem, depois de longo matutar com a mãe do rebento, desaguado em terras lusas.
Na maternidade lhe ditaram a morada do registo, a ele que as letras mal somava no papel, mas, mesmo assim, as conseguiram levar até à Conservatória.
«O nascimento ocorrido em território português deve ser declarado no prazo de 20 dias em qualquer Conservatória do Registo Civil, mesmo que os pais não tenham nacionalidade portuguesa» - leu-lhe, da pauta, a parteira Luziniria, nome que ele escutava pela primeira vez em quarenta anos de vida.
O homem se autocarrou até à Conservatória, para ali acabar se estampando num inesperado regulado: Nome próprio terá de constar no rol atribuível a humano tuga e Mia, talvez por demasiado felino, só «Como diz?» - perguntou incrédulo o moçambicano, cambaleante na incompetência de botar o nome desejado no filho sonhado. «Pai não pode escolher o que chama ao fruto de si?».
Fidélio, o Conservador, mostrou-lhe primeiro a lista de nomes próprios autorizados em Portugal - trinta e nove páginas dos apodos mais diversos, desde Aarão a Zuleica - e, depois, quarenta de outros chumbados pelos mais diversos motivos.
Incluindo, veja-se só, o de Mia. Triste sina.
Lindorfo, sim, por exemplo! Mia não. Em definitivo.
Mia, pai, navegou entre os interditos e cruzou-se com figuras tornadas ilegais, incluindo nomes próprios, como Luís de Camões, espanto dos espantos, e até Benfica, o seu campeão virtual.
O recém-pai se aventurou a escolher sozinho título para seu rebento. Sem mandato de sua Belíssima, esposa, de traço e nome próprios, que passou assim a saber figurar também no rol dos «não admitidos» a registo em Portugal.
«Luís Figo!» - gritou ele, adoptando de imediato, o nome próprio a atribuir em «segunda mão» ao filho, ainda que condicionado, neste caso, e de acordo com norma estipulada pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, ao uso «apenas no conjunto» (Luis+Figo).
A seu lado, uma branca americana abanava a cabeça em descrédito, com o articulado que a impedia, assim-sem-mais-nem-menos, de chamar Liam ao bebé que berrava a plenos pulmões a seu colo.
«Estrangeiro pode escolher nome próprio autorizado no país dos pais mas desde que reconhecido pela respectiva Embaixada e através de documento com tradução autenticada»! - estipula a norma.
Mas Portugal está longe de ser o único país onde a globalização, os direitos humanos e o individualismo pressionam cada vez normas até aqui tidas como «pacíficas» (ou assim acatadas) na escolha de nomes.
A Dinamarca, por exemplo, vai dilatar substancialmente o rol permitido já a partir do próximo dia 1, passando a incluir nomes dos Estados Unidos e de outros países Europeus.
Enquanto a descomplexada Noruega mantém um rol de «inaceitáveis», onde figuram desde nomes insultuosos a conotações sexuais, passando pelos relativos a doenças.
É verdade que, muitas vezes, a paternidade de certas normas neste país mais parece ser origem lunática mas uma reflexão mais madura, pelo menos no que toca a nomes, a fixação é bem... terrena.
Aqui, em Portugal, fique a saber, nenhuma criança poderá ser chamada de «OVNI», ter «Astral» ou confundir-se com a desaparecida «Atlântida».
Abordagem ligeira de uma questão de tal forma séria que substanciou uma tese de doutoramento nos Estados Unidos e a respectiva publicação num «best-seller» onde se disseca o potencial impacto da escolha de um nome no futuro dos nossos filhos.
O seu autor, Albert Mehrabian, argumenta que as reservas colocadas em países como Portugal à escolha arbitrária de nomes próprios pode não ser um sintoma de «quadradez» mas antes de uma sabedoria secular:
«Acredito em liberdade mas se isto funciona há tantos séculos em Portugal, quem sabe?», questiona o psicólogo, autor de «Baby name report card: Benefical and Harmful Baby names».
E as conclusões do estudo convidam, no mínimo, a uma reflexão:
«Um nome pode ferir uma criança e atraiçoar a melhor das intenções. As crianças com nomes mais atractivos são mais populares e as baptizadas de forma «mais original» acabam por ser muitas vezes menos bem sucedidas a nível escolar e laboral».
Pense então duas vezes antes de protestar a impossibilidade de baptizar em Portugal, como «Adamastor», o «demóniozinho» bípede que lhe saiu na rifa.