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Opinião
09 de Abril de 2010 às 11:38

O Gaudi das berças

(Onde o autor rompe com a questão existencial com que se debatia dada a renúncia de Hermínio Loureiro da presidência da Liga dos Clubes, graças ao primeiro-ministro Sócrates - sempre ele, como diria o saudoso Alves dos Santos -, e aos momentos de gáudio urbanístico-político da recente notícia do "Público" sobre os projectos na Guarda nos anos 80, dando para reflectir como tudo em que toca tende a exalar odores peculiares).

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A notícia é o menos e, um tanto requentada, nem mereceria grande interesse, embora uma boa anedota, mesmo ouvida duas vezes, caia sempre bem na galhofa. Mas apareceram mais uns detalhes, soube-se mais uns pormenores e, acima de tudo, recebeu o povo um comunicado primo-minesterial, tudo convidando a um retomar de atenção, principalmente a um fatigado cidadão pelos cabelos, como eu próprio.

Devo dizer que nunca percebi por que razão Sócrates, logo no momento da novidade, se não saiu com uma qualquer desculpa ou explicação airosa para hábitos portugueses, que mesmo os mais intransigentes encarariam com um encolher de ombros e uma gargalhada. Eu sei que as chamadas casas são abomináveis, semelhantes ao stalag 21, e que um japonês, submetido a idêntica vergonha, provavelmente preferiria um bom velho "sapuku". Mas isto é portuguesada, gente de deixar andar, e se até a Igreja Católica pediu perdão pelos casos de pedofilia, não vejo como o primeiro-ministro, embora numa situação mais embaraçosa, não pudesse sair na maior, devolvido com um "ego te absolvo". Curiosamente é ele, imbuído de urdiduras, cabalas e vitimizações, que dá ao caso foros de "caso" com um "script" a lembrar a desculpa de um qualquer atraso com a credível desculpa do furo de um pneu, caindo na vezeira habituação de fazer de nós parvos.

Mas o primeiro ponto a salientar sai do tom quase inevitavelmente chocarreiro porque tem a ver com a atitude da Câmara da Guarda quanto ao acesso do jornalista do "Público" aos documentos detidos pela autarquia, o qual, segundo revelou na TV o advogado do jornal, necessitou de intervenção judicial para se tornar adequadamente exequível. O presidente é do partido socialista, a autarquia deve obediência à lei, o princípio da transparência é um suporte do Estado de Direito e estas atitudes putinianas são, no mínimo, insólitas.

Quanto ao comunicado, é evidente que, se Sócrates afirma que fez projectos de casas para 21 (salvo erro) amigos, as pessoas aceitam de caras, porque é ele a asseverar. Já outro qualquer... Além disso, é completamente normal haver duas dezenas de pessoas das relações de qualquer um a necessitarem de casa própria na mesma época e a cravarem o favorzinho. Quem não passou já por isso? E depois a gratuitidade do serviço cairia sempre bem a um socialista dotado de profundo sentido de solidariedade social e com propensão para a construção civil e habitação social. Eu, por mim, se alguém me fizesse serviços daqueles, exclamaria: "nem dado!". E até admito que algumas almas menos dotadas de caridade cristã passassem para a fase do corte de relações pessoais. Mas isso são outros gostos e haverá sempre quem prefira o amarelo.

Diz o "Público", finalmente, que a Câmara da Guarda da época, presidida pelo "ex-con" Abílio Curto, lhe dirigiu "sucessivas e duras advertências por causa da falta de rigor e cumprimento das regras técnicas e legais em muitos dos projectos, chegando a ameaçá-lo com procedimento legal", e que o caso até veio a lume devido a uma entrevista do dito ex-autarca à Rádio Altitude sobre o assunto.

Se isso é verdadeiro, então eu acho, enquanto governado, que o dito Sócrates ainda não mudou muito de hábitos desde que chegou ao presente cargo. Mas, enfim, há que aguentar e, no final, o que é isto comparado com o holocausto nuclear?


Advogado, autor de "Ganhar em Bolsa" (ed. D. Quixote), "Bolsa para Iniciados" e "Crónicas Politicamente Incorrectas" (ed. Presença).
fbmatos1943@gmail.com
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