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02 de Setembro de 2005 às 14:08

O dilema português

Percorri parte do País queimado. É uma dor d’alma impor-se a ideia de que o sítio onde nascemos está votado ao abandono. É uma dor profissional ler, ver e ouvir as “reportagens” realizadas. Ponho à margem deste texto a legitimidade das férias de Sócrates.

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Percorri parte do País queimado. É uma dor d’alma impor-se a ideia de que o sítio onde nascemos está votado ao abandono. É uma dor profissional ler, ver e ouvir as "reportagens" realizadas. Ponho à margem deste texto a legitimidade das férias de Sócrates. O problema é de ordem moral. A banalidade das palavras circunstanciais que proferiu, regressado do safari, chegou a ser chocante.

A Imprensa internacional causticou a inépcia e a incompetência de um Governo que perde, constantemente, fundos estruturais, e demonstra ser incapaz de, por exemplo, proceder ao reordenamento territorial do país. O problema do minifúndio é apresentado como obstáculo quase intransponível. Não é. Trata-se de legitimação política. Com maioria absoluta, Sócrates pouco ou nada tem feito. No caso dos fogos, Portugal voltará a arder. E as reformas necessárias à modernização do país e, até, à criação de uma nova mentalidade - foram postergadas.

O PS, por repugnante cobardia política, cumpre a irresistível vocação de aniquilar outra oportunidade histórica. Há, nesta inércia, uma tentação para a irresponsabilidade, que pode desembocar em tragédia. Relegando para o esquecimento o afrontamento urgente com os interesses instituídos, estes "socialistas" condenam-nos a um charco de mediocridade, e cumpliciam-se com o que de pior e de mais sórdido existe nas classes possidentes.

A "alternância" de poder tem servido clientelas ávidas. As grandes fortunas acumuladas em pouco tempo não são apenas metáforas, mas factos reais e constantes, raramente investigados e postos a claro.

Para esses sectores, a modernidade não é documento de identificação, sim um acidente desprovido de qualquer sentido. O símbolo da entrada em uma comunidade económica - o euro - tornou-se numa espécie de adopção mística, não num primeiro passo para uma real integração. Pagamos tudo muito mais caro do que em outros países, e ganhamos muitíssimo menos. A inevitável comparação com Espanha constitui quase uma afronta: as bichas de portugueses que vão fazer compras a lojas, supermercados, gasolineiras fronteiriços chegam a ser impressionantes. Os danos económicos causados ao País ainda não foram contabilizados. Sê-lo-ão alguma vez?

O prolongamento indefinido desta situação não assegura, aos portugueses, nada de bom. Mantemos as boas graças entre o PS e o PSD, essa falta de "alternativa", cuidadosamente defendida pelos próceres de ambos os partidos - e desprezamos qualquer outra possibilidade. Esta nossa apatia também deriva de um individualismo dissolvente que nos está na massa do sangue, e de uma inacção intelectual provocada por lavagens ao cérebro, activadas pela ausência de debates, pela univocidade das vozes de quase todos os "comentadores", e pela falta de qualidade analítica da nossa Imprensa.

A ambiguidade "ideológica" da sociedade portuguesa torna-se um quebra-cabeças para a ciência política, inabilitada para eliminar o que daí resulta: apolitismo, falta de civismo e de civilidade, indiferentismo social. Nestas circunstâncias, os "partidos de poder" (PSD e PS) dispõem de meios que lhes permitem, "democraticamente", excluir toda outra concorrência política, e conceber todos os compromissos estabelecidos com parte da sociedade, nunca com toda a sociedade.

O notório enfraquecimento das classes sociais, em Portugal, contribui, cada vez mais, para o surgimento de esquírolas de extrema-direita, cujo discurso envolve, por igual, diatribes contra o capitalismo e contra a democracia. O neoliberalismo que, na última década, tornou mais pobres os mais pobres e muitíssimo mais ricos os mais ricos, está, lentamente, a corroer a raiz das instituições democráticas, não só no domínio político, mas também no domínio industrial. E quando a extrema-direita critica a hipertrofia da economia nas sociedades modernas, a sua voz encontra eco nas faixas mais débeis e carecidas da população.

Portugal está numa situação dilemática. À crítica marxista junta-se a dos cristãos sociais, ambas preocupadas com o facto de esta permanente alternância sem alternativa condenar ao desaparecimento ou ao amolecimento interventivo organismos intermédios, capazes de enfrentar e de combater não só as obediências parlamentares como o poder omnipotente dos dois "partidos de poder".

APOSTILA - Depois da desistência de Alegre e da declaração de Soares - que vai fazer a Esquerda portuguesa? A Direita, essa, parece exercitantemente assustada, a reparar nos artigos dos seus mais notórios turiferários.

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